terça-feira, 19 de junho de 2007

O Universo é uma grande Maloca para Dançar

O Universo é uma grande Maloca para Dançar
Texto:
Renato Athias e Durvalino Chagas

Desenhos:
Luís Lana, Feliciano Lana e Afonso Machado

Texto elaborado a partir das narrativas contadas por
sabedores Waikhana

    O trabalho de pesquisa que realizamos escutando, transcrevendo e lendo a mitologia dos Tukano Orientais (Yepa Masã) especificamente aquela dos Waíkhana (Piratapuia), nos leva a algumas considerações. A primeira delas se refere ao início da criação, o primeiro ato criativo. É interessante notar que todos os grupos lingüísticos  da Bacia do Rio Uaupés ao representar o início da criação, se referem a uma idéia de vazio, antes de se iniciar o processo de criação do cosmos, do universo e a transformação do nosso mundo criado. Esse vazio, a existência do "nada", é expressa nas línguas com a idéia de masã madayá , que literalmente significa não tinha "seres" . Em oposição a essa idéia do “nada” aparece a idéia do "tudo" que compartilha esse mesmo espaço. Esse "Todo-Poderoso" está colocado nos relatos mitológicos como sendo  Kõãkhën (na lingua waíkahna) que literalmente significa "osso-ser". O "osso-ser" é a expressão do começo das coisas, a parte principal que sustenta a constituição do Universo. É o ser que dele emana o "sangue" que gera que dá vigor, que dá a continuidade da multiplicação da vida. Hoje esse termo está associado à divindade, a Deus. Este vai ter várias denominações. Dá a idéia de crescimento, de desenvolvimento ou de metamorfose como tive a oportunidade de analisar em capítulos anteriores. O atributo de "Deus" como Criador supremo, recebe o nome de Ëhpó Kõãkhën, o Trovão. É o símbolo da presença ou existência com cujo barulho "gërërërërërë..." dá o sinal que é um Ser existente (Aqui não referimos o trovão do fenômeno físico, mas do ser transcendental ). É denominado também de avô do Universo Dehkoli Ñehkën. Interpretamos como sendo o princípio da "luz" do dia simbolizado pelo Sol. Ele é muito mais brilhante do que sol, no sentido de ser bonito esteticamente. O sol físico comparado com o Sol ontológico não passa que uma figura no papel. Esse mesmo personagem vai receber várias denominações de acordo com as línguas dos grupos lingüísticas Pa'miri Masã e as funções que vai desempenhar como dono do dia, dono da noite, dono da comida, dono da bebida, dono das músicas e instrumentos, dono da terra, dono da festa, dono da pajelança, etc.

    O enunciado, o Senhor do Universo é a qualidade atribuída ao todo como "ente de conhecimento", muito sábio Wihõ Mahsënõ (paricá), como denominam os velhos. É um engenheiro, um arquiteto, um oleiro cujos instrumentos de trabalho foram somente as plantas do tabaco, mënõ; do paricá, wihõ, e da coca, patu, cuias utilizados como matéria para a criação. Sentado no seu banco de pedra de quartzo, pela fumaça do cigarro chamado mahsãli mënonõ (Cigarro de fazer surgir coisas do nada ), foi realizando a criação do mundo. Nota-se uma questão de gênero, interessante para identificar-nos diversos mitos a que tive acesso. Em alguns relatos esse termo é traduzido como avô, para outros é traduzido como avó. Pode ser tanto do gênero masculino como feminino. Dando assim a entender que o Avô é o homem-mulher, ato cognoscível-afetivo ao mesmo tempo. Assim como homem tem sua força produtiva e como a mulher tem sua força reprodutiva. Dentro de si tinha tudo, era tudo que possamos imaginar como "riqueza": ornamentos, bu'sa ahkadó, (coisas de festa), tipos de alimentos, tipos de sementes, o poder de destruir, proteger e criar (pretendidos pelos kumuã). Como diriam os filósofos gregos, era ato e potência. Para os Waikhana , o senhor ou avô é o que tem muito conhecimento prático e intelectual, capaz de resolver qualquer problema.

    Um outro aspecto a considerar aqui se refere ao Universo. No imaginário dos Waikhana, o Universo é como uma grande casa bahsali wë  (maloca), construída, tendo como esteios os quatro pontos cardeais como limites. São símbolos de dualidade oposta: o que nasce e o que põe, vida e morte, bem e mal, homem e mulher, etc. Nos instrumentos musicais também se nota isso, por exemplo nos pares de kalíçu: puhtidipa, yëtidipa (iniciador e responder), assim também nos pares de Miniã Pona (jurupari) pahidi puhti, meni puhtigã (grande e pequeno), nos pares de japurutu é igual como nos pares de kalíçu. E contém tudo com uma certa ordem. Estão presentes dentro do Universo bahsali wë, as criaturas humanas, os coxos para as bebidas fermentadas, as cuias para as bebidas em cima dos suportes, vários tipos de bancos para sentar, a coca, o tabaco e o paricá. Também nessa casa encontra-se a caixa dos enfeites bu'sa ahkadó com os vários tipos de instrumentos musicais, diferentes tipos de indumentárias e ornamentos. Na casa também tem todos os tipos de alimentação e estão presentes as gentes de vários povos. Só mais tarde, na grande viagem da Cobra-Canoa no processo de pamuWaikhana, o Universo, a grande casa, a maloca é expressa com a idéia de bahsali wë que literalmente quer dizer, casa de cantos e danças. Os Waikhana utilizaram esse arquétipo para construir como morada aqui na terra. Então, desde muitos milhares de anos vinham vivendo no bahsali wë até a metade do Século XX. O termo bahsali wë, foi traduzido para a Língua Geral ou Nheengatu pelo termo "maloca". Essa maloca foi destruída pelos missionários como a casa de orgia, feitiços, casa do demônio, casa do mal. Assim os índios começaram a criar no seu psiquismo que esse tipo de habitação não presta . Sobre o "não presta", Reichel-Dolmatoff (1968) faz os comentários muito significante", bahsali wë era o ambiente social onde se realizavam as festas de reciprocidade, também era sua "cozinha, dormitório, refeitório, tenda de trabalho" , ali o homem e a mulher nasciam, cresciam, viviam, se educavam e morriam sem pensar mudar-se para outro lugar, sentiam que essa casa era tudo, era seu mundo, seu universo. Se o filósofo Platão estivesse vivo diria que bahsali wë era sombra, cópia do verdadeiro arquétipo da casa do seu Criador [As descrições minuciosas sobre "bahsali wë" (Maloca), encontram-se no texto: A Maloca Tukano-Dessana e Seu Simbolismo,  Kazys Jurgis Béksta, SEDUC/AM, 1988; Dos Años Entre Los Indios, Theodor Koch-Grünberg, Editorial Universidad Nacional, 1995, Santafé de Bogota, Col. 2v].  Seria talvez aquela casa que Thomas Morus idealizou no seu livro "A Cidade de Deus"? (fermentação, transformação) se tornou a realidade física como nós somos hoje. 

É importante de considerar aqui à transformação de Masã - Gente. Essa é uma noção existente desde o início da criação. Se havia o "nada", o "tudo", a idéia do ser-vivo (reflete também a idéia de perfeição) e está expressa no termo Masã. O demiurgo, o criador transforma os Masã através do sopro-de-vida (energia vital) o que chamamos de Hedipona Bahseyé, provenientes da fumaça do tabaco nas "cuias-da-vida" (Kahtidi Wahastó). A criação dos ancestrais nas três cuias que formaram os "mini" universos onde as três "gentes" surgiram do poder deste sopro mediatizado pela fumaça do cigarro-da-vida (Kahtidi Mënõ). Por outro lado, o substantivo, masã, significa nascer, crescer. Em geral, masã (plural) ou masën (singular) são aqueles termos denominados, que poderíamos analogicamente asssociar as palavras de hoje, por exemplo: os "civilizados" (plural) ou "educado" (singular). No caso dos homens que não respeitam, por exemplo, a natureza, a outra pessoa, segundo sua tradição, não são considerados na categoria dos Masã.

Em algumas das versões existentes, as três criaturas, assinaladas anteriormente eram os primeiros ancestrais Pa'miri Masã, dos Waikhana, dos Yepá-Masã (Tukano) e dos Dehkoli Mahsënõ (Desano), conforme as várias narrações, os três eram iguais na língua, na sabedoria, no poder sobrenatural. Aqui levanto outra questão importante para entender os três personagens que surgem no Lago da Casa de Leite e se criam na Casa do Lago de Leite, migrando em forma da Cobra-Canoa invisivelmente dentro da água. Eles próprios eram a própria Cobra-Canoa. Por isso é inconcebível dizer que os Pa'miri Masã serviram-se de uma cobra como meio de transporte. Uma vez que eles estavam no estado de espírito semelhante ao próprio Criador, o avô do Universo, eles, portanto, tinham poderes mágicos e sabiam se transformar uma coisa, em outro momento em outra coisa.

Em outras versões Waikhana, as três cuias teriam sido os três ancestrais fundadores dos clãs Waikhana, seriam eles:  Kenei, Bu'sanëno, Holipahkó. Eles eram três irmãos iguais, mas com funções diferentes. Na narração dos anciões Waikhana está claro que KeneiKenei tinha nome de Bu'sanëno  quando ele assumiu como dono dos ornamentos, músicas e danças. "Holipahkó" é o nome da mulher - em outra versão ela é conhecida como Wehkolió. Quando Kenei assumiu como gerador de gente, dono dos multicolores imaginários, da estética, do amor à continuidade da cultura, seria denominado Holipahkó. Sabe-se que nas versões dos Desano, e dos Yepá-Mahsã, a(s) primeira(s) mulher(es) não tinha(m) vagina. Isso confere com a versão gravada do desana Marcelino (1970) e do Waikhën Luís Góis quando narravam sobre o nascimento do " Kahpi Mahsënõ". Como foi que fizeram a mulher tornar-se "verdadeira"? Na versão dos Desana e dos Yepá-Mahsã (Tukano), quando a criança Kahpi Mahsënõ não tinha como sair, então, os homens pegaram forquilha de cigarro cerimonial e mediram-na cortando com brinco (lâmina) de ouro, assim criando o canal de saída. Na versão dos Waikhana foi o peixe "wa'sosõën"(aracu-piau) que com a velocidade de impulso, deu impacto, assim criando o canal vaginal. Numa hipótese: Será que o próprio homem transformara-se uma mulher sem vagina para gerar "gente"? realmente é o que estava numa das três cuias. Os dois últimos aparecem assim no correr da narração já criada, imagina-se que vêm também das cuias, porém desconhece-se de que forma tinham surgido. 

Conjetura-se de que os próprios ancestrais Kenei, Bu'sanëno e Holipahkó guiaram a grande viagem (conhecido como "caminho de leite" ) do grupo Waikhana, passando pelo litoral brasileiro, Rio Amazonas, Rio Negro, Rio Uaupés, até chegar à Terra definitiva, no Rio Macucu. Depois retornaram ao estado sobrenatural, quer dizer, não morreram, entrou dentro da terra em forma de espírito, no caso de Holipahkó, essa donzela se transformou em pedra-monumento. Em nenhum momento se ouviu que eles morreram e estão enterrados em algum lugar. No tema: "A 'Ontologia' dá Lugar à História", Mircea Eliade enfatiza o mito do retorno, com os seguintes dizeres: (...) " Esses Entes Divinos são capazes de mudar de modalidade; efetivamente, eles 'morrem' e se transformam em alguma coisa, mas essa 'morte' não parecem definitivamente, pois sobrevivem em suas criações" (1972:98). Hoje se interpreta que, o homem sai da casa bahsali wë sobrenatural vindo para este Mundo (nasce) e quando morre retorna para casa bahsali wë. Então, nascer é sair, morrer é entrar ou retornar para casa do Trovão.

A expressão "Panopëna mahsã hietimayé" (antigamente-tudo-era) denota que neste período mitológico todas as coisas eram "gentes". O que significa isso? É bastante complexo para traduzir em outra língua. O sentimento de pertença, a consciência de que tudo o que é da natureza possui espírito e é um ser-vivo (ser-movente, inteligível). Se tudo que possui "espírito" tem mudança, tem vida, portanto sente, se alimenta, sofre e morre como gente. O que tem essas qualidades, logo sente a dor. Então, não faça mal, dizem os anciões. A terra é Yepá-didó-mahsonõ (Terra-carne-gente), uma vez que faz parição de tudo que existe ao nosso redor e no universo-natureza. Com as outras palavras: terra é como corpo da mulher, a mãe Yepá-Pahkó . É como a "deusa" que não deixa faltar nada. Ela faz parto, cria, alimenta e acolhe após a morte. Sendo assim a Terra sente, sofre a depredação humana.

Em oposição às forças que estão presentes nos Masã, encontramos os seres vivos que são conhecidos e identificados como sendo os wai-masã, entes espirituais da natureza criados pelo Trovão. São os espíritos dos animais aquáticos, terrestres, árvores, pedras, terras, aves, água. Esses waí-mahsã estão presentes em toda natureza. De acordo com os kumuã, os wai-masã tiphepunlita mëhsã né bahuadopë wiheken, ali wë, dia puiakhan wëpëta tohaya nianyé" E os Waikhana que estavam, também, nessa fase, conseguiram passar ao dinamismo (transformação). Os wai-mahsã que não evoluíram, odeiam as gentes, os masã. Então, ele deve munir com o ritual e cerimônias de proteção contra esses "espíritos" da natureza, para não ser vitima de ataques, principalmente quando se desrespeita a natureza. A doença de origem provocada pelos wai-mahsã, só poderá ser resolvida pela força das palavras (benzimentos) dos pajés. são entes que não evoluíram, ficaram no estado de estagnação (estático) por vontade de Trovão. 

Segundo Luís Góis, uma parte dos "wai-mahsã", ficou na casa "Temedawi" porque não queria entrar na Cobra-Canoa, então, Kenei disse: "Na grande viagem "subaquática", o "caminho do leite", os Pa'miri Masã foram provados e tiveram que ultrapassar vários obstáculos. O divino Sempinonõ (pássaro cobra), o símbolo catamórfico (do terror) provocou um dilúvio matando todos os seres vivos. Este foi o primeiro obstáculo. Exterminado por Trovão (Ëhpó), não impediu que se desse uma nova criação dos seres-vivos. Durante esta viagem na foz do Rio Amazonas, foi provado pelo Trovão. Ele fez surgir um grande obstáculo de terra na foz do Rio Amazonas os Pa'miri Masã, para vencer o obstáculo se valeram uma fórmula mágica. Como os Pa'miri Masã conheciam as palavras de benzimento e cantando, conseguiram passar transformando-se em ondas grandes capazes de submergir a colina. No Rio Negro, os wai-masã queriam acabar com os Pa'miri Masã, mas eles conseguiram ultrapassar realizando a cerimonia da sopro-da-força. No Rio Uaupés, no lugar chamado Dia Uhpudá Wë, teve outro inimigo cobra breu que tinha intenção de aniquilá-los. Eles conseguiram passar por eles pela força do sopro-de-sono. Na casa chamada Buuwahadá, no remanso da cachoeira de Ipanoré, di'doá (ancestrais dos Taliáseri), esses eram espertos e traiçoeiros, mas os Pa'miri Masã foram mais espertos do que eles. Conseguiram passar despercebido através do sopro-de-distração de tomar banho.

Segundo a narrativa do Luís Gois, na cachoeira de Ipanoré, o "personagem" caranguejo aguardava os Pa'miri Masã, justamente, na saída do buraco, para cortá-los com sua tesoura sem piedade enquanto eles vinham aparecendo na saída do buraco. Mas o Trovão não o permitiu, deixou-o distrair com um caxiri e comida, esse foi o sopro-da-bebida. Bem acima da ilha de Taabuhti Nëhkëõ moravam peixes piranhas do tamanho de um forno de farinha. Eles aguardavam para comer todos os Pa'miri Masã. Conseguiram passar com muita esperteza e simulação. Subiram para a terra, vararam acima da casa das piranhas. Em Iauareté Cachoeira, aguardavam os yaipikana para devorar os Pa'miri Masã. Prevenidos, passaram por outro lugar, ou seja, pela terra. O último inimigo foi a anta: sua intenção era exterminar todos os Pa'miri Masã porque eles roubaram o apito dela (em Dia Wë). Construiu "keó" (caiá) na correnteza da cachoeira, no pensamento dela, os Pa'miri MasãWaikhana iriam cair nessa armadilha. Qualquer coisa que caia nela, pegava com raiva, levava para margem do rio e amassava até virar em minúsculos pedaços. Mas o chefe dos WaikhanaKenei) soube antecipadamente através de alguém "ahpekina" (outros), foi informado sobre o plano mortal. Kenei tinha supremacia ao ente anta, por isso não teve medo. Logo abaixo do local onde a anta esperava, os Pa'miri Masã fizeram tradicional festa de Kapiwaya. A anta foi até lá, aproximou do Kenei com a dissimulação de ser bonzinho, mas Kenei não duvidou da sua intenção de vingança, agarrou-a decepando a sua cabeça. Os companheiros do Kenei não era cabeça de anta, mas era a cabeça de colibri porque não pesa nada". Chutaram a cabeça da anta em cima da outra pedra, aí se transformou em pedra, também, até hoje está lá.

Os Pa'miri Masã não tiveram nenhum momento de medo de enfrentar os inimigos, porque sabiam prevenir-se através da fumaça do tabaco e dos diversos sopros de proteção. Não houve luta corpo a corpo, a não ser com a anta apenas face a face. Embora fossem da mesma categoria de espírito (wai-mahsã), pareciam não se darem bem. O escudo da proteção dos Pa'miri Masã estava no poder sobrenatural do sopro.

Os Pa'miri Masã foram considerados grandes "Yaidoá" (xamãs) e kumuã (benzedores) pois possuíram poderes sobrenaturais, pois havia uma estreita ligação com o ente Trovão através do caminho imaginário, hoje simbolizado pelo "Yaí" (bastão-maracá). Para os Waikhana, "Kenei" foi o primeiro grande "yaidó" e "kumu". Ao longo da viagem de transformação, "Kenei" transmitiu a seus irmãos Waikhana os poderes sobrenaturais. No tempo remoto, a conversa dos Waikhana girava em torno dos conhecimentos cosmológicos e cosmogônico. Esse conhecimento foi passando de geração a geração. Dentre os Waikhana, haviam os "Yaidoa" que se assemelhavam como "Kenei" ou queriam comparar como sendo iguais ao Avô do Universo, o Trovão. Os "Yaidoa" e kumuã foram são aquele que fazem a ligação entre o Criador, mediadores e protetores do povo contra o mal da natureza e do próprio homem. Eram "segurança, coração, alma" para seus irmãos Waikhana. Os Yaidoa e kumuã fora dos poderes legado pelo Criador, não faziam, não inventavam a seu bel-prazer. Nos encontros realizados durante a pesquisa de campo, em vários momentos escutei os velhos discursarem, sobre a não invenção: "Nós falamos, fazemos essas coisas porque os nossos ancestrais faziam assim, nós não expressamos pela invenção da cabeça. Sendo assim, as nossas conversas têm valor para nós"

Outro fato que merece realce é o aparecimento do homem "branco". No princípio todos que estavam na Cobra-Canoa eram iguais na fala e na cor. Após a saída do Pa'miri Masã, o "buraco de emersão", na cachoeira de Ipanoré, começou entrar em ebulição semelhante a um grande caldeirão de breu ou de asfalto. O Trovão ordenou que alguém caísse dentro do caldeirão borbulhante. Dentre eles houve um que tinha coragem e ele caiu dentro e desapareceu. E outros pensaram que o arrojado indivíduo debaixo do breu quente não escaparia o cozimento. Passados alguns minutos veio à tona todo transformado, esbranquiçado. Mudou a cor de pele, de cabelos, de olhos, talvez até o pensamento. O ancestral dos Waikhana não teve coragem de cair dentro do caldeirão, todavia molhou as palmas das mãos e as palmas dos pés. Continuou com a mesma cor. O Trovão deu para o ancestral dos brancos uma espingarda, o símbolo de poder, de conquista, de guerra e de riqueza. O Trovão ordenou que fosse povoar, guerrear... lá no sul. Segundo a interpretação do Leonardo Alcântara (2001), o Trovão disse: "Você vai fazer sua morada lá no outro lado do mundo" . O interpretador estava referindo-se à Europa, Ásia e o Oriente Médio. Quando o Criador acabou de dizer as palavras de ordem, o ancestral dos brancos sumiu da vista, passados alguns minutos, no outro lado do mundo deu um estrondo como se fosse um tiro de canhão. Lá estava ele nascendo, se transformando pessoa humana.

O padre também foi com ele. Sabendo do episódio, os meus antepassados índios sabiam sobre a existência do irmão que partiu longe e que um dia voltaria. Sobre a profecia do retorno do "branco", escutei da minha família: houve na cabeceira do Rio Cuiú-Cuiú, afluente do Rio Papuri, na Colômbia, moravam os Desana muito antes da chegada dos brancos. Havia no grupo, um Yaidó (xamã) muito famoso e era poderoso viajante mágico no mundo dos espíritos. Em geral os Yaia (xamãs) bem preparado desde pequenos eram "capazes de viajar ao nível mais alto do cosmos (...) tinham poderes de presciência (...) de eventos" que iriam acontecer. Um dia, o yaidó famoso teve uma aparição real do Trovão. Quando ele estava voltando do passeio, numa clareira de mata capoeira, percebeu um barulho parecido com o do avião a jato acompanhado de vendo brando. Nesse meio estranho, viu a claridade surgir encima das ramagens de arbustos. Pouco a pouco no meio da claridade vinha surgindo uma figura humana esplêndida. O homem ficou sem saber o que dizer. O ser esplêndido disse-lhe de não ter medo e notificou que era o Avô do Universo. Comunicou-lhe que um dia viria homem de vestido branco para ensinar à catequese e como conseqüência a cultura do xamanismo seria extinta. Em compensação, na descendência do xamã, depois de várias gerações surgiriam padres natos e conhecedores da sabedoria dos brancos. Dizendo isso se afastou. Comentando com os filhos, o xamã desano dizia que não iria ver esse acontecimento nem os filhos, porém, os netos. Essa profecia do surgimento dos padres natos e os índios conhecedores da ciência do homem "branco", nós estamos presenciando o fato predito.

Nos tempos atuais, entre os Waikhana, depois que começaram a diminuir as categoria dos pensadores Yaidoá e kumuã, um "estado de nostalgia", de insegurança, de vergonha, sem importância, "ficou um vazio" e de "vergonha" enfatizando no depoimento do Senhor Vicente Garcia: "Ënhsanlen ahpekina bëhëpedé, tina mahsianga bahsapolé, tina mahsianga ënhsanlen nidé tha. Ënhsampé né mahsienda bó tohanata niã ënhsã" e relativo a "vergonha": "ali mahsã kuduli khene onsa pihti keó dihadolé yëlé yo to waeda kuhno wa.(...) Ñano waë niã mianogana, bëodo waëta niãhã yë". Em contraste a estas afirmações, houve alguém que garantiu aos que desconhecem as "coisas do antepassado Waikhana", uma esperança deles aprenderem pouco a pouco em cada encontro que houver.











Mitologia dos Povos Indígenas do Rio Negro I

Mitologia dos Povos Indígenas do Rio Negro I

Texto:
Durvalino Chagas e Renato Athias
Desenhos:
Luís e Feliciano Lana
















Leia o texto:
http://docs.google.com/Doc?id=df475jnz_115g6x9gw

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Coleção Fotoetnográfica Indígena Carlos Estevão de Oliveira II

Fotografias do Acervo da Coleção Carlos Estevão de Oliveira
do Museu do Estado de Pernambuco (MEPE)
digitalizadas

por Karla Melanias




O Xukuru-Kariri, José Francelino, fotografado por Carlos Estevão, Palmeira dos Índios, Alagoas, fim da década de 1930



Xukuru-Kariri no Posto Indígena Irineu dos Santos, Palmeira dos Índios, Alagoas. Provável autoria de Carlos Estevão de Oliveira, entre os anos de 1936 e 1940, aproximadamente, quando empreendeu visitas para estudos de grupos indígenas no Nordeste (Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Alagoas).







O próprio Nimuendajú dá os dados básicos sobre a fotografia e sua captação na legenda original




O etnólogo Curt Unckel Nimuendaju sentado entre seis índios. Avulsa, sem identificação/fonte foi publicada em Nimuendaju, 2000, fig. 20 (essa fotografia estava entre um conjunto de noventa cartas recebidas por Carlos Estevão de Oliveira de Nimuendaju, e doadas ao Museu de Arqueologia e Etnografia de São Paulo



Índios Kapixaná (Kanoê), Rio Pimenta Bueno, afluente do Rio Machado,
Mato Grosso, sem data. Fotografia de Aníbal A. Freire.


Mulheres fiando algodão no Uaçá fotografadas por Nimuendajú


Mulheres Xerente fotografadas por Nimuendajú


Kayapó fotografado em 1909 por J. Huber



Índios Kapixaná (Kanoê), Tiaré (arco e flecha nas mãos) e Gualuré,
rio Pimenta Bueno, sem data. Foto: Aníbal A. Freire. (legenda localizada no verso da fotografia)




Mulher Mura da aldeia do Jauary - Autaz fotografada por Nimuendajú
possivelmente entre 1923 e 1927


Parintintin fotografado por Nimuendajú,1923





Fotografia de Nimuendaju da casa fortificada que serviu como Posto do SPI para “pacificação” dos Parintintin, construída com paredes e teto de zinco e cercado de arame farpado

domingo, 17 de junho de 2007

Coleção Fotoetnográfica Indígena Carlos Estevão de Oliveira

Coleção Fotoetnográfica Indígena Carlos Estevão de Oliveira
Dissertação de Mestrado
Por Karla Melanias

Orientação: Renato Athias

LAV/NEPE/UFPE




Acervo Museu do Estado de Pernambuco - MEPE

A trajetória da pesquisa

Quando começamos a reestruturar o nosso projeto de pesquisa para elaboração da dissertação de mestrado, no segundo semestre de 2004, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Athias, tínhamos em mente realizar uma investigação sobre a representação fotográfica como registro cultural. Ao tomarmos conhecimento, nesse período, da existência de algumas fotografias na Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira no MEPE, decidimos fazer um reconhecimento geral dessas imagens e pensar na possibilidade de transformá-las em nosso campo de pesquisa.

Para nossa surpresa, já que não tínhamos praticamente nenhuma informação sobre esse acervo fotográfico, especialmente porque desconhecemos até o presente momento qualquer fonte bibliográfica sobre essa coleção de fotografias especificamente, encontramos uma quantidade considerável de fotografias guardadas nas estantes da biblioteca do Museu. Pudemos de imediato perceber a riqueza de informações na visualidade etnográfica dessas imagens que registraram a cultura indígena em sua diversidade e a mantiveram observável em fragmentos de imagens até a atualidade.

Fizemos mais uma visita ao acervo e elaboramos o nosso projeto e plano de trabalho para a dissertação. Além do acervo não estar microfilmado ou digitalizado, o estado físico dessas fotografias também não nos permitiria manipulá-las para um estudo mais detalhado. Outra questão relevante para a inicialização desta pesquisa, diz respeito à mencionada insuficiência de informações básicas sobre o acervo. Sequer tínhamos noção de sua totalidade e de seu conteúdo mais explicitamente, já que os documentos de papel da coleção não estão inventariados, classificados e catalogados. Primeiro, localizamos e reunimos com o auxílio de alguns funcionários do museu, todas as fotografias que faziam parte da Coleção Carlos Estevão, separando-as das demais fotografias do acervo do MEPE.

Em seguida, fizemos um levantamento preliminar quantitativo do acervo, chegando ao total aproximado de cerca de mil e quinhentas fotografias bicolores (sépia), copiadas em vários tamanhos em papel fotográfico, e distribuídas em dois álbuns originais e dez fichários, mantidos em estantes na biblioteca e na reserva técnica do Museu. Observamos que o estado de conservação dessas fotografias era precário e os papéis fotográficos se encontravam em estágios diferentes de deterioração, correndo o risco iminente de serem totalmente perdidos.

Como realizar então a observação dessas fotografias sem puder manuseá-las e sem ter acesso a uma publicação do tipo catálogo onde essas imagens pudessem ser visualizadas, por exemplo? Assim, concluímos que o primeiro passo a ser dado pela pesquisa seria a digitalização do acervo, mesmo que parcialmente, pela exigüidade do tempo e dos recursos que possuíamos. Depois de várias tentativas frustradas para a concretização da digitalização do acervo, adquirimos com recursos próprios o equipamento necessário para esse fim (microcomputador completo e scanner), graças à bolsa de estudos financiada pela CAPES que recebemos nesse período.

Nos meses de junho e julho de 2005, demos início ao processo de digitalização do acervo em dois períodos de aproximadamente dez dias cada. O nosso objetivo nessa etapa era transferir essas imagens do papel para um suporte digital, por meio do processo de digitalização, permitindo-nos observá-las e manuseá-las tantas vezes quantas fossem necessárias para termos uma compreensão mínima do acervo como um todo, além de puder evitar a perda ou avanço da deterioração do papel, preservando a visualidade do acervo. Não pudemos estender a digitalização a todo o acervo, porque precisávamos adiantar a pesquisa e iniciar o plano mais específico para a redação propriamente dita da dissertação. Desse modo, entre agosto e setembro, o MEPE digitalizou a outra parte das fotografias e uma parte dos documentos escritos, com o apoio financeiro e técnico da FUNDARPE, disponibilizando-nos uma cópia.

Assim, levamos o nosso campo de pesquisa para casa em forma de cd-room (e na memória do nosso microcomputador). Por mais cômodo que tal possibilidade possa parecer para o pesquisador, na verdade, julgamos que essa fase constituiu-se talvez na etapa mais difícil de toda a pesquisa. Era o momento que iniciaríamos a tentativa de reconhecimento e identificação do que fosse possível no acervo, e posteriormente a seleção de algumas fotografias para análise. As dificuldades gerais para o estudo de acervos fragmentários e sem referências complementares bem documentadas, manifestam-se, sobretudo, no distanciamento temporal vivenciados por pesquisas como a nossa.

A dissertação

É nesse campo de imagens fotossensíveis e estáticas, fixadas tecnicamente em papel por meio de um processo físico-químico, mas primeiramente captadas pelos olhos de alguém que “viu” e “enxergou” uma realidade e quis torná-la imóvel e fixa, no tempo e no espaço, onde reside a nossa pesquisa. Trataremos de uma coleção de fotografias que nos revela, a conta-gotas, parte de uma história que não pudemos presenciar, personagens que não pudemos conhecer pessoalmente, imagens que não pudemos ver em seu momento real e que nos informam visualmente sobre uma época e seu contexto antropológico no Brasil.

Estaremos nos reportando às primeiras cinco décadas do século XX e à pesquisa sobre os povos indígenas no Brasil, observável nas fotografias colecionadas e mantidas desde 1947 no Museu do Estado de Pernambuco, como parte do colecionamento de artefatos da cultura material, uma prática comum nas pesquisas antropológicas desse período. Essa coleção museológica abrange peças arqueológicas, etnográficas e documentos de papel, dentre os quais essas fotografias, e recebeu o nome do seu colecionador, o pernambucano Carlos Estevão de Oliveira (1880-1846), que a doou antes de falecer ao Museu pernambucano. Na formação dessa coleção particular, destaca-se o nome do etnólogo alemão naturalizado brasileiro, Curt Unckel Nimuendajú (1880-1945), notadamente um dos fotógrafos que gostaríamos de destacar no conjunto de fotografias da coleção.

Como conseqüências relevantes do distanciamento temporal, percebemos especificamente a insuficiência de informações sobre o próprio acervo (já que fotógrafo, fotografados e colecionador não podem ser mais consultados) e as dificuldades para reunir uma bibliografia mais antiga muito especializada necessária para compreensão da contextualização das imagens. Desse modo, achamos por bem, num momento anterior, elaborar a dissertação tomando como ponto de partida a história de vida do colecionador e observando as fotografias como parte desse colecionamento etnográfico mais amplo. Essa idéia não se mostrou muito proveitosa pelo menos em relação à primeira parte, porque possuíamos no acervo muito mais documentos escritos sobre a obra literária de Carlos Estevão do que sobre seu envolvimento com a antropologia no Brasil, e assim, nos afastaríamos definitivamente do nosso objeto, que era a representação da cultura indígena nas fotografias desse acervo.

Esta pesquisa retornou, assim, aos seus principais informantes: as fotografias. Levaremos em consideração a fotografia em seu processo de construção e constituição, sem isolá-la de seu contexto ou de suas características básicas. Para uma melhor compreensão, distinguiremos a fotografia em seus momentos “pré-fotográfico”, “fotográfico” e “pós-fotográfico”, ora separando-os, ora unindo-os, de forma que possamos observá-la de uma maneira mais completa. Delimitaremos, também, três atuações universais na fotografia: a atuação do fotógrafo, do fotografado (s) e do espectador, fazendo a distinção e aproximação necessárias entre essas três atuações fundamentais na fotografia, em suas fases já mencionadas.

O que esse conjunto de fotografias poderá nos revelar? O que essas fotografias registraram e “petrificaram” no papel fotográfico tornando-o um documento ímpar? Como poderemos perceber os objetivos do(s) fotógrafo (s) no momento em que captou uma imagem com sua câmera fotográfica? O que se vê nessas imagens e o que o espectador pode apreender delas em relação ao universo de imagens representadas?

A nossa atenção, portanto, estará voltada para a representação fotográfica dos fotografados, para a atuação autoral do fotógrafo e para a possibilidade de interpretação pós-fotográfica com base na observação das realidades exterior e interior residentes nessas fotografias, buscando compreender a ”teia de significados” nessas imagens indígenas fragmentadas, que caracterizam a diversidade e heterogeidade desse acervo imagético.

Por muito tempo a antropologia foi definida pelo caráter exótico do seu objeto de estudo e pela distância cultural e geográfica entre antropólogo e sujeito/ objeto da pesquisa. Essa perspectiva mudou dentro do fazer antropológico e, no caso específico da antropologia indígena brasileira, o exotismo deixou de ser a principal motivação para as pesquisas, dando lugar à diferença – social, cultural, cosmológica – entre “eles e nós” (Peirano 1999, p. 225, 37). Precisaremos, portanto, levar em consideração o objeto antropológico indígena evidenciado no colecionamento etnográfico, marcante na antropologia da primeira metade do século passado, estabelecendo uma relação de diálogo entre o passado – momento em que essas fotografias foram realizadas - e o presente – momento em que elas estarão sendo observadas por esta pesquisa.

Nossa fonte de pesquisa principal é a coleção fotográfica e por isso os nossos olhos precisarão “observar” atentamente todas as informações que essas imagens possam “falar” sobre o “universo” cultural indígena, tentando reunir os fragmentos para a compreensão pontual de algumas questões representadas fotograficamente e escolhidas para análise. Estaremos atentos ao plano de expressão da imagem (o que ela mostra) e ao seu plano de conteúdo (o que ela significa), como também ao plano do significante (a realidade exterior a que ela faz referência) e ao plano do significado (o conteúdo material da imagem). Levaremos em consideração o “referente” (objeto/ser que representa) contextualizado num paralelismo entre o conteúdo físico da imagem e o seu significado.

Fig. Grupo de índios Kagwahiva-Parintintín, rio Madeira, Amazonas, fotografados por Curt Nimuendajú, em 1923, quando estabeleceu os primeiros contatos pacíficos com esses índios à frente de uma expedição do SPI (acervo MEPE).
A imagem fotográfica tem múltiplas faces e realidades. A primeira é a mais evidente, visível. É exatamente o que está ali, imóvel no documento (ou na imagem petrificada no espelho), na aparência do referente, isto é, sua realidade exterior, o testemunho, o conteúdo da imagem fotográfica (passível de identificação), a segunda realidade, enfim. As demais faces são as que não podemos ver, permanecem ocultas, invisíveis, não se explicitam, mas que podemos intuir; é o outro lado do espelho e do documento; não mais a aparência imóvel ou a existência constatada mas também, e sobretudo, a vida das situações e dos homens retratados, desaparecidos, a história do tema e da gênese da imagem no espaço e no tempo, a realidade interior da imagem; a primeira realidade (Kossoy, 1998, p. 42).

Como diria ainda Kossoy (op. cit.), fotografia é memória e ambas se confundem. Fotografia pode ser muitas coisas diferentes, mas de certo modo, parece permanecer inclassificável como observou Barthes (...). Múltipla em suas faces que se dão a ver ou que se escondem, ela se assemelha a um espelho fincado no passado, sempre no ontem, sempre no instante anterior, sempre na singularidade das imagens que não se repetirão.

Para isso, no início do primeiro capítulo estaremos discutindo sobre colecionamento etnográfico como uma prática marcante na antropologia desse período e resumindo a história e o conteúdo geral da Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira. Em seguida, nos reportaremos especificamente à fotografia na Coleção, delineando a utilização do recurso fotográfico com técnica para a elaboração etnográfica na pesquisa antropológica. Por fim, dissertaremos sobre as características do colecionamento etnográfico de Carlos Estevão de Oliveira e de Curt Nimuendajú, refletindo especificamente sobre a atuação deste como fotógrafo-etnógrafo.

No segundo capítulo, delimitaremos as características principais desse acervo fotográfico em sua diversidade, quanto aos fotografados e quanto aos fotógrafos, demonstrando a visualidade geral dessas imagens, como também o seu estado de conservação, quanto à deterioração material das fotografias e à disposição de informações que as identifiquem, arrematando esse capítulo com uma reflexão barthesiana sobre a fotografia.

No capítulo três, faremos uma análise mais específica de algumas fotografias selecionadas, buscando observar o olhar autoral do fotógrafo e o conteúdo etnográfico na representação dos fotografados, os índios Kagwahiva-Parintintín (fig.01), registrados fotograficamente (e textualmente, que nos servirá como referência) por Nimuendajú em 1922-23, quando liderava uma expedição do SPI ao território ocupado por esses índios “hostis” nas proximidades do rio Madeira, Amazonas, para estabelecer com eles o contato pacífico.

Esta dissertação não pretende esgotar o estudo das fotografias indígenas da Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira, mas introduzir alguns aspectos básicos e fundamentais para a compreensão geral desse acervo, de sua visualização e compreensão mínima de seu conteúdo etnográfico. Entendemos que a diversidade étnica, autoral e temática dessas fotografias necessita de um estudo mais amplo e prolongado, que viabilize a organização, classificação e catalogação de todas essas imagens e a sua disponibilização para a exposição pública. Assim, acreditamos ter apenas iniciado o processo de aproximação com o conteúdo imagético dessa coleção, cuja importância para a memória (visual) indígena nos parece indiscutível, e como fonte documental para o conhecimento mais aprofundado sobre a relação de Curt Nimuendajú e Carlos Estevão de Oliveira, na história da antropologia indígena no Brasil.

Territoire de l’ Art sur Pernambuco


Territoire de l’ Art sur Pernambuco

au Palais de la Porte Dorée

par Renato Athias

Texte publié dans le
Catalogue de l’Exposition

Territoires Transitoires
Un parcours dans l’Art du Brésil
Palais de la Porte Dorée

Paris 15 nov 2005 a 8 jan 2006


L'art a été tourjous défini par sa seule capacité d'exprimer des contradictions, des ambiguïtés et des paradoxes. Faits qui dans un autre contexte ne seraient pas exprimés ou même il n’ y aurait pas des explications. Ce pour cela que l´oevre d’art peuvent être expliquée pour soi même et est toujour vue comme une representation mentale attachée à un territoire especifique. Soit le territoire des artistes eux même ou bien le territoires que les artistes exprimen leur experiences. On peut aussi dire que l'oeuvre d'art n'est pas physique et que représente un particulier sur la experiece d´un artiste. Les sensations et les représentations appréhendées dans l'objet d'art se perpétuent dans l´esprit de l'observateur. L'oeuvre d'art, est alors, quelque chose mentale ou même si quelque chose de etéreo.

Ragrouper des oeuvres d'art dans un seul espace, produites dans un territoire et sur un territoire, dans des temps distincts signifie ragrouper des possibilités du regard sur un même territoire physique. Dans ce sens on cherche appréhender le locus de la production et sa perpétuation aux esprits des personnes qui observent les propriétés sensibles de ces oeuvres.

D'un côté on peut observer l'intuition de chacun des ces artistes sur les expressions d'un même territoire qui sont résultant d'un regard, no seulemnent historique mais aussi esthétique, sur la experience de vivre sur ce territoire. L'expression, la langage exprimée par les artistes simplement n'est pas donnée, est en résultant, donc, d'un processus de commentaire et de contact avec les êtres existants dans le territoire en impliquant outre le regard et une organisation propre de chacun sur cet espace saisit.

Les figures, les sons et les couleurs coexistent dans le territoire délimiter de l'artiste en possédant leurs propres corps-sujets qui expriment la réalité vive dans un territoire donné. Les diverses langues utilisées par les artistes, les expriment, un territoire seul de chacun, en montrant comme le regard de chacun recherche voir de nuances des differentes réalités d´un Pernambuco, dans une séquence qui peut être visitée, et qui on registre aussi transitoire, dans les expressions de chacun de ces artistes.


Dans ce ensemble d'oeuvres d'art pernambucanidade est démasqué à partir des mots, une expérience esthétique, sur un fleuve qui donne limite et qui distingue un territoire spécifie. Ces mots délimitent les regards ils dont ont vécu et vivent dans cet espace entrecortado par le Capibaribe dans direction à la mer en passant par les marais de Recife. Regarder ce territoire commun est se donner compte qui existe la vie et la forme et leurs contradictions et paradoxes. L'expression créative de la vie de l'esprit seulement se donne dans la mesure où elle suppose certaines formes qui, donc, délimitent leur contenu. Et la forme seulement pouvoir être vue et manifestées dans les expressions artistiques, les oeuvres d'art dans lui et dans son ensemble. Et ces formes acquérir une autonomie en donnant ainsi une configuration spécifique à une société dans un certain temps.
















sexta-feira, 15 de junho de 2007

Memórias - III RBA - Recife, 1958

M e m ó r i a s
III Reunião Brasileira de Antropologia
Recife, 1958

Exposição Fotográfica
Organizada por
Renato Athias, Antônio Motta, Russell Parry Scott e Celina Hutzler
Apoio Técnico: Manoel Souza Filho


Num contexto ainda em fase de institucionalização da antropologia em 1958, transcorre a III Reunião Brasileira de Antropologia, não divergindo de outros contextos homólogos nacionais. Com efeito, na qualidade de cidade anfitriã, coube ao Recife patrocinar o encontro, já que a contabilidade da Associação era praticamente simbólica, não havendo na época nenhum tipo de financiamento por parte dos órgãos de fomento federais. Talvez, esse fato tenha imprimido ao encontro, de quatros dias, um “clima de família” e de intensa sociabilidade, a começar pela própria organização do evento que, em sua programação geral, previa uma distribuição eqüitativamente proporcional entre o tempo destinado às “sessões de estudos” (apresentação de comunicações científicas) e o tempo livre destinado à programação social.























Estiveram presentes entre outros:
Luiz de Castro Faria (Museu Nacional), eleito como o primeiro presidente, em 1955, exercendo o cargo até a reunião de 1958; José Loureiro Fernandes (Universidade do Paraná), eleito presidente da ABA durante a reunião de 58; Herbert Baldus (Museu Paulista e Escola de Sociologia e Política de SP); Egon Schaden (Universidade de São Paulo); BertaDarcy Ribeiro (Universidade do Brasil); Otávio da Costa Eduardo (Escola de Sociologia e Política de SP); Thales de Azevedo (Universidade da Bahia); Manuel Diegues Junior (Pontifícia Univ. Católica do Rio de Janeiro); Alfonso Trujillo Ferrari (Escola de Sociologia e Política de SP); René Ribeiro (Universidade do Recife); Fernando Altenfelder Silva (Escola de Sociologia e Política de SP); Antonio Rubbo Muller (Escola de Sociologia e Política de SP); Levy Cruz (Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife); Harry William Hutchinson (Escola de Sociologia e Política de SP); Edison Carneiro (CAPES, Rio de Janeiro); Josildeth da Silva Gomes (Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais CBPE, Rio), Lygia Estevão de Oliveira (Museu do Estado, Recife); Renato Almeida (Instituto Brasileiro de Educação e Cultura, Rio de Janeiro); Theo Brandão (Comissão Nacional do Folclore, Maceió); William H. Crocker (Univ. de Wisconsin. EUA); Roberto Cardoso de Oliveira (Museu Nacional e Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais CBPE, Rio de Janeiro); José Bonifácio Rodrigues (Escola de Serviço Social do Rio de Janeiro); Maria Lais Moura Mousinha (Faculdade Católica de Filosofia de Petrópolis); Dale W. Kietzman; Maria Heloisa Fennelon Costa, Maria David de Azevedo e Berta Ribeiro.