segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Curt Nimuendajú e as Fotografias do índios do Rio Negro

Renato Athias (*)

NEPE/PPGA/UFPE


        As fotografias que são o objeto principal desse artigo foram exibidas durante a 28a. Reunião Brasileira de Antropologia em Julho de 2012, na exposição organizada pelos colegas Selda Vale da Costa, Andreas Valentin, e por mim, intitulada Imagens da Amazônia (veja texto de abertura da exposição no anexo). E atualmente, estas fotografias encontram-se expostas na UFPE. Elas são sobre os Índios do Rio Negro, e fazem parte da Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira (CECEO), do Museu do Estado de Pernambuco, estão atribuídas por mim a Curt Nimuendajú. Não existe em nenhum lugar, na documentação da coleção, algo que possa informar quem foi o fotógrafo para esse conjunto de 33 fotografias dos índios do Rio Negro.

Logo que tive acesso ao conjunto de cartas escritas por Curt Nimundajú, reunidas e publicadas por Thekla Hartmann (NIMUENDAJÚ 2000) li com muito interesse todas as cartas que se referem a sua viagem ao Rio Negro em 1927. Em uma essas carta ele revela ter levado negativos, e que havia feito fotografias durante sua viagem. E chegava a comentar que gastou seus últimos negativos na aldeia de Urubuquara, no Rio Uaupés (NIMUENDAJÚ 2000:112). E eu sempre me perguntava, onde estariam tais fotografias, pois no texto de seu relatório de 1927 ao SPI, organizado e publicados por Alfred Métraux em 1950 e 1955 no Journal de la Société des Américanistes, não continham nenhuma fotografia.


A Coleção Etnográfica Carlos Estevão (ATHIAS 2003) constitui-se em um valioso acervo de objetos etnográficos, arqueológicos, fotográficos e documentais de mais de 3.000 peças adquiridas entre os anos de 1909 a 1946 quando o pernambucano, advogado, poeta e naturalista Carlos Estevão de Oliveira trabalhou na região Amazônica ocupando importantes cargos no Estado do Pará como promotor público em Alenquer, funcionário público em Belém, e por fim, Diretor do Museu Paraense Emílio Goëldi, cargo que exerceu até sua morte em junho de 1946. Esta coleção que compreende objetos de 54 povos indígenas mostra uma variedade de objetos que faziam e fazem parte da vida cotidiana desses povos. As exposições permanentes, e as diversas mostras itinerantes organizadas pelo Museu do Estado de Pernambuco indicam quão importante é essa coleção para se visualizar as riquezas, a vida, os costumes e os aspectos culturais dos povos indígenas do Brasil.
As fotografias da Coleção Etnográfica Carlos Estevão, compreendem cerca de mil fotografias que chegou ao Museu do Estado de Pernambuco, juntamente com a coleção em 1946. Essas fotografias estão sendo trabalhadas sistematicamente desde 2005, quando se resolveu colocar em lugar apropriado. “Para nossa surpresa, assinala Karla Melanias (2006), já que não tínhamos praticamente nenhuma informação sobre esse acervo fotográfico, especialmente porque desconhecemos até o presente momento qualquer fonte bibliográfica sobre essa coleção de fotografias especificamente, encontramos uma quantidade considerável de fotografias guardadas nas estantes da biblioteca do Museu. Pode-se de imediato perceber a riqueza de informações na visualidade etnográfica dessas imagens que registraram a cultura indígena em sua diversidade e a mantiveram observável em fragmentos de imagens até a atualidade” (MELANIAS 2006:20).
Karla Melanias apresenta em sua dissertação de mestrado um detalhamento sobre o estado geral das fotografias da coleção em 2005, informando que o acervo não se encontrava até então digitalizado, e que o estado físico dessas fotografias também não permitiria manipulá-las para um estudo mais detalhado. Outra questão, que nos parece relevante diz respeito à mencionada insuficiência de informações básicas sobre o acervo fotográfico. Estas fotografias são bicolores, ou seja em sépia, dispostas em vários tamanhos e formatos de papel fotográfico, e distribuídas em dois álbuns originais e dez fichários, mantidos em estantes na biblioteca e na reserva técnica do Museu. A pesquisadora assinala que o estado de conservação dessas fotografias era “precário e os papéis fotográficos se encontravam em estágios diferentes de deterioração, correndo o risco iminente de serem totalmente perdidos” (MELANIAS 2006:11).
Em 2009 iniciamos um projeto de pesquisa, com o importante apoio de Margot Monteiro, diretora do Museu, e com recursos financeiros da Fundação do Amparo a Pesquisa de Pernambuco (FACEPE), com a finalidade de trabalhar os aspectos de conservação, catalogação e divulgação da coleção como um todo. A partir dessa data a coleção passou por todo um processo de digitalização, até os dias de hoje, e a totalidade da coleção já se encontra disponibilizada para pesquisa. Alguns trabalhos acadêmicos surgem sobre essa coleção tanto no Curso de Ciências Sociais, Museologia, como no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco. Em 11 de novembro de 2009 foi inaugurada o acesso on line da segunda etapa da digitalização desse acervo fotográfico, na internet, na sede da FACEPE, pelos professores Diogo Ardaillon Simões e Alfredo Arnóbio de Souza Gama, Presidente e Diretor Científico da FACEPE, respectivamente.
Diferentemente de outros acervos fotográficos de índios do século XIX e XX este acervo está longe de documentar o exótico, tal como comenta Stephen Nugent (2007) ou mesmo, Fernando de Tacca (2011). O conjunto deste acervo fotográfico, nos parece que foi organizado pessoalmente por Carlos Estevão como um conjunto de fotografias de trabalho pessoal. Muitas dessas fotografias retratam objetos em primeiro plano. Existe um outro conjunto de fotos nessa coleção, também de Nimuendajú, dos Kaiapó/Gorotire, que mostra uma espécie de passo-a-passo do uso de acangataras e outros objetos. Tal como se encontra entre essas 33 fotografias encontradas nesse acervo. E existem fotografias retratando apenas objetos onde se pode perceber a maneira de utilizar. Entre essas fotografias existe duas fotografias de objetos de uma cozinha no fundo de uma maloca. Essas fotografias nos parecem que eram utilizadas junto aos acervos etnográficos para responder as perguntas práticas de como esses objetos são usados pelos índios. Portanto, longe de mostrar o exótico e sim mostrar a realidade em que estão vivendo. Nesse aspecto se percebe nessas fotografias de Nimuendajú um grande interesse em registrar a situação desses índios. Em conversas que tive com Gertrudes Gomes Lins, Icléia Braga Mascarenhas e Mariza Varella, da reserva técnica do MEPE, que conviveram com Lígia Estevão de Oliveira, obtivemos notícias, que ela utilizava bastante essas fotografias colocando-as junto a exposição de parte dos objetos da coleção no Museu.
Durante os anos de 1920 a 1946, em que Carlos Estevão foi diretor do Museu Paraense Emílio Goëldi, ele teve a oportunidade de encontrar-se com diversos pesquisadores e etnógrafos que por ali passaram. Neste período, ele manteve uma relação privilegiada[1] com Curt Nimuendajú, etnólogo e pesquisador do Serviço de Proteção dos Índios (SPI) com o qual teve oportunidade de escutar e ler os seus principais relatos etnográficos, e o incentiva a elaborar um mapa etno-lingüístico dos povos indígenas do Brasil, cujo original, confeccionado em papel canson, tintas naquim e aquarela, encontram-se entre os objetos da coleção. Tendo como base o famoso mapa etno-lingüístico de Carl Friedrich Philipp von Martius de 1867[2].   Atualmente, este mapa é referência para todos os que estudam os povos indígenas do Brasil (IBGE 1981). Carlos Estevão, segundo minha opinião, certamente participou durante muitos anos da “irrequietude” como muito bem descreve Michael Kraus em seu panegírico sobre Curt Nimuendajú, publicado na revista Humboldt do Instituto Goethe (KRAUS 2009). Interessante notar, que John Hemming percebe a pessoa de Curt Nimuendajú como sendo bastante sensível, e por isso, ele pode notar através de seus escritos, uma certa “raiva” pela difícil situação em que viviam os povos indígenas. Eu pessoalmente concordo com John Hemming, quando leio, por exemplo, o texto de Nimuendajú, sobre a sua viagem no trecho do Rio Uaupés, em 1927, por exemplo. (HEMMING 2003:174).
Eu vi essas fotografias pela primeira vez em 2003, espalhadas em diferentes álbuns no acervo da Coleção Etnográfica Carlos Estevão, sem muito fazer as conexões que faço hoje. E em 2006, durante o processo de orientação da dissertação de Karla Melanias tive oportunidade de observá-las mais, e  a partir daí, comecei a fazer as primeiras associações com a viagem de Curt Nimuendajú em 1927 nas áreas indígenas do Rio Negro, e, sobretudo, colocá-las para formar um conjunto. Para mim, que conheço muito bem toda região do Alto Rio Negro, não foi muito difícil colocar todas essas fotografias em um mesmo álbum, tal como elas estão dispostas hoje, pois possuem uma indicação do lugar onde foi retratado e informação sobre as pessoas da foto em uma legenda escrita (em algumas em lápis) no verso das fotografias. A caligrafia usadas nessas legendas indica que não foi Curt Nimuendajú quem as escreveu. Eu imagino que tenha sido talvez ditado por ele à Ligia Estevão, filha de Carlos Estevão, que foi sua aluna no seu Curso de Etnologia no Museu Goëldi, e que dedicou praticamente toda a sua vida cuidando desse acervo em memória de seu pai. Ao colocar todas juntas e verificar os lugares que essas fotografias retratam, nos permitem afirmar que as fotografias foram efetuadas por Curt Nimuendajú e realizadas na sua famosa viagem de 1927, muito bem relatada em seu texto  o “Reconhecimento dos Rios Içana, Ayari e Uaupés”. Nestes últimos anos venho trabalhando para entender essas fotografias, e, sobretudo procurando saber realmente quem foi o fotógrafo dessas  33 fotografias dos índios do Rio Negro do acervo do Museu do Estado de Pernambuco.
Este acervo fotográfico, como assinalamos em outras ocasiões (ATHIAS 2003), não possui os negativos e seu estado de conservação não é muito bom. As situações retratadas são de situações, pessoas, lugares e monumentos importantes na mitologia indígena dos índios do Rio Negro. Como muito bem disse João Martiniano Mendonça (2009), Nimuendajú utilizava as fotografias como uma alavanca para a sua própria memória quando ia escrever seus trabalhos. E, exatamente por isso que tenho a convicção que essas fotografias pertencem ao olhar de Nimuendajú, pois ao ler  “Reconhecimento dos Rios Içana, Ayari e Uaupés”, podemos encontrar os detalhes dessas fotografias, como se fossem uma grande legenda. Nesse texto encontramos os motivos pelos quais Nimuendajú fez essas fotografias e outras que ainda não sabemos onde estão.
O referido texto “Reconhecimento dos Rios Içana, Ayari e Uaupés” foi publicado em forma de artigo a primeira vez, eu acredito, editado por Alfred Métraux, no Journal de la Société des Américanistes, em 1950, no volume 39 nas páginas 125 a 182. E, pela segunda vez, em 1982 numa coletânea intitulada: Curt Nimuendajú - Textos Indigenistas, organizada pelo Padre Paulo Suess para as Edições Loyola. Existem pequenas divergências entre as duas publicações, e isso será motivo de outro artigo. Este texto trata-se, na realidade, de um  relatório de Curt Nimuendajú ao Serviço de Proteção aos Índios (SPI) Inspetoria do Amazonas e Acre. A segunda parte desse relatório foi publicada em 1955 com o seguinte título: Reconhecimento dos rios Icána, Ayarí, e Uaupés, março a julho de 1927. Apontamentos lingüísticos, também no Journal de la Société des Américanistes, no tomo 44, páginas 149-178. E constitui-se de um conjunto de informações etnográficas e lingüísticas coletadas durante esta famosa viagem de 1927. Seria interessante investigar  como estão dispostos esses dois textos nos arquivos do Museu do índio, que é o depositário do acervo do antigo SPI.
Ainda sobre informações fotográficas dos índios do Rio Negro, nessa mesma época, existe um relatório do Inspetor Bento de Lemos, de 1931, da 1a. Inspetoria em Manaus, que contém outras tantas fotografias, que eu mesmo havia visto quando ainda era Diretor-Responsável do Jornal Porantim, em Manaus em 1979. Algumas fotos, publicadas nesse relatório, eu não tenho certeza, mas Bento de Lemos deve ter recebido do próprio Nimuendajú quando ele esteve hospedado em sua casa, em Manaus, durante a sua ida para São Gabriel e quando voltou. Acredito que algumas delas tenham sido entregues pelo fotógrafo Philip Von Luetzelburg, pois no relatório contém fotografias realizadas no Rio Papuri e Tiquié.
O nosso querido colega Joaquim Melo (2007) que escreveu uma importante dissertação de mestrado sobre a atuação do SPI nesse período teve a gentileza de me enviar uma cópia desse relatório de Bento de Lemos. Como o texto desse relatório é uma fotocópia de um arquivo microfilmado, e essas fotografias não estão identificadas  no relatório, se torna muito difícil a afirmação sobre quem foi o fotógrafo dessas imagens. É evidente que muitas pessoas viajaram por essa região, sobretudo após a publicação do importantíssimo livro de Theodor Koch-Grünberg (1906) que realiza uma brilhante etnografia dos povos dessa região, e que foi traduzido para o português cem anos depois[3]. E, nesse caso, o mais interessante é que Nimuendajú, não só percorre o mesmo trajeto realizado por Koch-Grünberg, como também utiliza-se da mesma logística informada por ele. E aqui temos a informação que ele também se correspondia com Koch-Grünberg, pois “Cartas do Sertão” (2000)[4] Nimuendajú cita claramente o apoio de Germano Garrido de São Filipe do Rio Negro como seu principal colaborador nessa viagem (2000:108) tal como Koch-Grünberg. Michael Kraus (2009) dá ênfase a profunda amizade entre os dois com quando cita um trecho de uma carta de  Koch-Grünberg para Nimuendajú: “Aquilo de que os dois gostavam um no outro já tinha sido formulado por Koch-Grünberg no encerramento de uma carta de 1915: “Passe bem e volte a me escrever logo. Suas interessantes cartas são para mim sempre motivo de grande alegria, sobretudo porque há um forte laço que nos une, a afeição por essa pobre humanidade morena!”.
Entre 2011 e 2012 tenho tido várias conversas e troca de e-mails com pesquisadores sobre esse conjunto de fotografias buscando uma identidade para o fotógrafo desse rico material imagético e etnográfico que essas imagens se expressam através da Coleção Etnográfica Carlos Estevão que se encontra entre os principais acervos do Museu do Estado de Pernambuco.
Denise Portugal Lasmar (2000) foi importante pesquisadora do Museu do Índio e exímia conhecedora do acervo fotográfico da Comissão Rondon. Ela sugeriu que eu comparasse as fotografias encontradas no acervo do Museu do Estado de Pernambuco  com as do álbum fotográfico do Acervo do Museu do Índio, contendo fotos desse mesmo período do fotógrafo Philip Von Luetzelburg. Foi extremamente interessante realizar essa comparação. Na realidade, as fotos desse álbum são de 1928, um ano depois da viagem do Curt Nimuendajú. E, realmente, Luetzelburg faz o mesmo trajeto de viagem no Rio Negro que Koch-Grunberg e Curt Nimuendajú, e talvez, aqui é uma suposição minha, utilizando-se do mesmo apoio logístico de Germano Garrido de São Filipe, tal como fez Koch Grünberg e Curt Nimuendajú. Ele deve ter providenciado as canoas e os remadores indígenas para a viagem ao Içana e Aiari. Entre as fotografias de Luetzelbug existem duas fotografias da Maloca de Pari Cachoeira e imagens do Papuri, locais que Nimuendajú não menciona em seu relatório, o que eu acho muito estranho, por causa do itinerário. Isso significaria que Luetzelburg deve ter ficado muito mais tempo na região que Nimuendajú, para ter viajado pelos Rios Papuri e Tiquié.
Recentemente, durante o 54º. Congresso Internacional de Americanistas, realizado em Viena, eu me encontrei com o Prof. Ernst Halbmayer da Universidade de Marburg, e em nossa conversa sobre essas fotografias ele me sugere seguir a fontes de Berlim. Logo em seguida entrei em contato com o Prof. Michael Kraus do Museu Etnológico de Berlim. Em nossa troca de informações ele me informa que  existe um artigo, publicado por Luetzelburg em 1941, intitulado "Amazonien als organischer Lebensraum", que menciona detalhes de sua viagem no Rio Negro em 1928. No anexo existem seis fotografias tiradas por ele, uma delas mostra a Maloca Tukano de Pari Cachoeira no Rio Tiquié. Fotografias gentilmente enviadas pelo Prof. Kraus. Ele não tinha conhecimento das fotografias encontradas por mim no acervo do MEPE. Ao ter conhecimento dessas fotografias ele concordou com minhas observações. E, de acordo com o seu conhecimento de outras fotos, ele também acredita que as fotografias da Coleção Etnográfica Carlos Estevão podem ser atribuídas a Curt Nimuendajú. E nesse aspecto eu tenho quase certeza, pois como disse antes, os lugares mencionados no relatório de Curt Nimuendajú de 1927, são todos mencionados nas legendas em lápis nas fotografias da CECEO, como assinalamos anteriormente
Na minha investigação por indicações de Denise Portugal, eu encontrei um grupo de 45 fotografias de Luetzelburg no Acervo do Museu do Índio, no Rio de Janeiro, em um álbum de fotografias intitulado: Im Stromgebiet des Rio Negro. Em uma primeira observação realizada recentemente, posso dizer que não existe correspondência entre as fotografias, e sim em alguns lugares mencionados, que são os mesmos visitados por Nimuendajú em 1927, com exceção a Pari-Cachoeira, e as fotografias do Rio Papuri, como falei anteriormente. Neste grupo de fotos, existe uma fotografia do Tuxaua Mandu que parece ser a mesma pessoa que está no acervo da CECEO do Museu do Estado de Pernambuco, cuja legenda está dizendo: Tuxaua Mandú, Waliperi-Dakenay, Maloca Cururu, no Ayari, legenda diferente daquela que está no álbum de Von Luetzelbug.  Tenho certeza de que se trata da mesma pessoa fotografada, mas aparentemente não é o mesmo fotógrafo. Abaixo coloco algumas fotos da CECEO e que constam da exposição que foi inaugurada na 28ª RBA, em Julho de 2012 em São Paulo e que estarão em exposição em São Gabriel da Cachoeira ainda no mês de outubro. São seis fotografias, tais como estão guardadas na Museu do Estado de Pernambuco. Com as legendas tais como estão escritas, e mostram as condições nas quais elas se encontram hoje nesse acervo. Nosso projeto, com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Ciência e a Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE), está permitindo que parte dessas fotografias sejam digitalizadas, e que passem por um tratamento de imagem, recuperando o seu contexto geral. A primeira fotografia abaixo foi publicada pelo próprio Nimuendajú, em um relato seu sobre suas viagens na nos anos de 1922 a 1927, em uma revista na Alemanha intitulada: Streifzüge in Amazonien. Sonderdruck aus Ethnologischer Anzeiger (1929:91-99). 


Rio Uaupés ìndios Wanana, maloca Yutica. Dançadores


Rio Uaupés, Índios Tariana, maloca Yauarete


Rio Uaupés, Índios Wanana,maloca Taínya


Índios Waliperi-dakenai. O velho Tushaua Mandu


Í̀ndios Hohodene,dirigindo-se para a maloca Tucano


Rio Içana. Indios Mapanaí. Maloca Yandu




Curt Nimuendajú em uma de suas cartas a Carlos Estevão, muito bem selecionadas por Thekla Hartmann, no volume Cartas do Sertão, nos informa claramente que viajara em 1927, em seu reconhecimento dos rios Içana, Ayari e Uaupés, com uma câmera fotográfica. Portanto, acredito que estas fotografias encontradas no acervo da Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira jamais publicadas são de fato de Curt Nimuendajú, pois nessa carta ele escreve que gastou os últimos negativos em uma festa de Jurupari entre os Tariana de Urubuquara.  Ele se refere a esse momento desta forma:


“....gastei os meus últimos filmes com esta gente divinamente bela na sua robusta nudez, no seu esplendor dos seus enfeites selvagens. Eram mais de 120 índios, e não me fartei de observá-los durante a noite toda nas suas danças ao clarão da fogueira em redor dos possantes esteios da enorme maloca e quase chorei de indignação e de raiva impotente quando me lembrava que esta festa de fato poderia ser a última. Porque eu ia embora e João Padre ficava...” (NIMUENDAJÚ 2000:112)



Onde estão estas fotografias da festa de Urubucuara? É uma grande pergunta. Ou será que Curt Nimuendajú foi extremamente respeitoso de não revelar essas fotos por as mesmas conterem as flautas de jurupari proibido aos olhares das mulheres? Mas a pergunta continua. Onde estão esses negativos?





Referências Bibliográficas
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Notas:



(*) Professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco e Coordenador Geral de Museus da Fundação Joaquim Nabuco. A primeira versão deste artigo foi apresentada no II Seminário de Museologia e Contemporaneidade no dia 11 de Maio de 2012 e na Conferencia no Museu do Estado de Pernambuco no dia 23 de Junho de 2012. Gostaria de Agradecer os comentários de Nilvânia Amorim Barros, Wilke Melo, Michael Kraus, Denise Portugal Lasmar, e Ernst Halbmayer.



[1] Sobre essa relação conferir importante publicação intitulada: “Cartas do Sertão” organizada por Thekla. Hartmann com as correspondências de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de 1920 as 1944.
[2] Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerikas zumal Brasiliens (1867), é a obra clássica de Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), é uma importante fonte de conhecimento de muitas línguas e povos do Brasil Indígena.
[3] Koch-Grünberg morre rápida e tragicamente no Brasil em 1924 depois de ter contraído uma forte malaria. Ele estava justamente na região amazônica explorando o Rio Branco (afluente do Rio Negro) com o medico, geógrafo e explorador Alexander H. Rice Jr, e o português, residente em Manaus, Silvino Santos. O filme dessa expedição foi realizado pelo próprio Silvino e está intitulado “O Caminho do Eldorado”. Sobre esse filme consultar Selda Vale da Costa (1987).
[4] Sobre a obra Cartas do Sertão ver: AMOROSO, Marta Rosa. Nimuendajú às voltas com a história. Revista de Antropologia, 2001, vol.44, n.2, USP São Paulo pp. 173-188



Anexo texto de abertura da Exposição na 28a. RBA:

Imagens da Amazônia
Andreas Valentin, Renato Athias, e Selda Vale da Costa

      Imagens da Amazônia reúne um conjunto de três exposições de fotografias especialmente selecionadas para esta 28a Reunião Brasileira de Antropologia. O primeiro conjunto foi selecionado por Selda Vale da Costa, do acervo de Silvino Simões Santos Silva (Cernache do Bonjardim, 1886 — Manaus, 14 de maio de 1970). Silvino foi fotógrafo e cinegrafista luso-brasileiro que se estabeleceu em Manaus, tendo sido o autor, juntamente com Agesilau Araújo (filho do Comendador J.G. Araújo), do clássico documentário em branco-e-preto sobre a Amazônia intitulado No Paiz das Amazonas (Brasil, 1921). Silvino Santos retrata a exploração da borracha no “Paíz das Amazonas”. O outro conjunto de fotografias foi selecionado, por Andreas Valentim entre as fotografias de George Huebner (Dresden, 1862 - Manaus, 1935). O fotógrafo alemão Huebner se estabeleceu em Manaus no final do século XIX. A sua obra apresenta as possibilidades técnicas e representacionais da fotografia na/e sobre a Amazônia. Aproximando-se da botânica e da emergente etnologia alemã, Huebner dirigiu sua câmera também para os indígenas da Amazônia, fotografando-os no campo, e em seu estúdio, “Photographia Allemã”, instalado no centro de Manaus durante o apogeu da economia da borracha. E o terceiro conjunto de fotografias foi organizado por Renato Athias retiradas do acervo da Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira do Museu do Estado de Pernambuco. Estas fotografias são atribuídas a Curt Nimuendaju, e todas elas retratam os povos indígenas do Rio Negro no ano de 1927.
          Todos os três fotógrafos têm em comum as suas relações com cientistas, instituições de pesquisas nacionais e instituições européias e, principalmente, suas amizades, e parceria profissional, com o naturalista Theodor Koch-Grünberg que possibilitou uma visibilidade internacional para Huebner, Curt Nimuendaju e Silvino Santos. Nas inúmeras cartas de Huebner enviadas para Koch-Grünberg, ele menciona algumas vezes Nimuendajú (“... um excelente etnógrafo”) e Silvino Santos (“as fotografias dos índios Huitotos no rio Putumayo ... são de um jovem de nome Santos”). Na correspondência entre Curt Nimuendajú e Carlos Estevão, publicadas no livro “Cartas do Sertão” (organizado por Thekla Hartmann), Nimuendajú faz referência a sua viagem entre os povos indígenas do Rio Negro.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Carlos Estevão, a Gruta do Padre e os Pankararu de Itaparica, PE


por Renato Athias* 

Muito me alegra que a Biblioteca Digital Curt Nimuendaju, muito bem organizada e cuidada por Eduardo Rivail Ribeiro juntamente com seus colegas, venha nos proporcionar hoje a inclusão digital de um dos mais importantes trabalhos (e, eu diria ainda, um dos mais procurados escritos) do advogado, poeta e naturalista Carlos Estevão de Oliveira: “O ossuário da “Gruta do Padre”, em Itaparica e algumas notícias sobre remanescentes indígenas do Nordeste”. O texto é resultado de uma palestra realizada no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, no dia 10 de julho de 1937 e publicado inicialmente nos volumes XIV a XVII do Boletim do Museu Nacional, referentes aos anos de 1938 a 1941, e impresso pela Imprensa Nacional em 1942. Carlos Estevão de Oliveira iniciou sua carreira como funcionário público em Alenquer, no estado do Pará, e exerceu o cargo de diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) entre os anos de 1930 a 1945; esta última função é certamente a mais importante de sua carreira pública no Pará. Após quase quinze anos à frente do MPEG, Carlos Estevão solicitou o seu afastamento temporário da diretoria por motivo de saúde. Pretendia vir a Pernambuco tratar de sua saúde e rever os familiares. Em dezembro de 1945, seu estado de saúde piorou durante a viagem, que estava sendo realizada de navio. Carlos Estevão, a esposa Maria Izabel e a filha Lygia desembarcaram em Fortaleza, Ceará, e hospedaram-se na casa de Antonio Carlos, filho mais velho de Carlos Estevão, médico e chefe do Serviço de Piscicultura do Nordeste. Carlos Estevão tinha problemas cardíacos e, percebendo o agravamento da doença, interrompeu a viagem a Recife, vindo a falecer em Fortaleza, no dia 5 de junho de 1946. Em fevereiro de 1935, Carlos Estevão faz sua primeira visita aos Pankararu do Brejo dos Padres. No ano seguinte, ele solicita uma “licença prêmio” para poder ficar mais tempo na área e iniciar seus trabalhos nas terras do povo Pankararu. No dia 24 de fevereiro de 1936, antes mesmo de entrar no Brejo dos Padres, Carlos Estevão sai em visita ao canteiro de obras da Companhia Industrial e Agrícola do Baixo São Francisco, situada em Itaparica. Nessa visita, Carlos Estevão descobre em “um Serrote que fica perto da aludida cachoeira um ossuário indígena de real valor científico”. E ali próximo, ele encontra o velho Anselmo, um Pankararu com quem visita a gruta, e que lhe conta as primeiras narrativas sobre a “Gruta do Padre”. Durante os anos seguintes Carlos Estevão vai trabalhar com esses achados da Gruta do Padre e com os Pankararu. Essa publicação contém um relato dessas viagens, e será muito importante para os índios desta região. Torna-se uma peça importante no reconhecimento formal dos índios Pankararu pelo Estado brasileiro. A partir desse trabalho que se tornou público através do Boletim do Museu Nacional, iniciou-se o interesse de muitos outros pesquisadores. Vale mencionar como exemplo Mário de Andrade, que em 1938 visita a região, registrando em filme as músicas e os torés Pankararu. A organização da narrativa do “ossuário de Gruta do Padre” é muito bonita, pois Carlos Estevão coloca muitos detalhes, e cita os nomes de todos aqueles com que manteve contato durante esse período em que se encontrava de “licença prêmio”. Ele também faz um relato muito simples e extremamente detalhado das visitas que fez entre os índios de Colégio, os Xukuru Kariri, e entre os Fulni-ô de Águas Belas. Ele conclui o seu texto fazendo um apelo em nome dos Pankararu, que na ocasião sofriam com a invasão de gado de fazendeiros em suas terras. Os animais atrapalhavam a atividade agrícola dos Pankararu, pois destruíam as lavouras. No anexo ao texto, Carlos Estevão publicou um conjunto de fotografias que registram pessoas e momentos importantes dos Xukuru-Kariri, Fulni-ô e Pankararu. Essas fotografias, certamente feitas pela sua “Rolleiflex”, foram muito bem selecionadas, e são utilizadas muito bem pelos índios atualmente. Por exemplo, a fotografia que ele fez sobre os búzios do Toré Pankararu foi recuperada por um grupo de jovens Pankararu, e, através dela, esse grupo de jovens revitalizou a confecção dos búzios (flautas longas) e as músicas produzidas por essas flautas. Todas essas fotografias encontram-se online através do Museu Virtual da Coleção Carlos Estevão de Oliveira, do Museu do Estado de Pernambuco, que teve o apoio da Fundação de Amparo a Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE). Para ver os objetos e fotografias da coleção visite o site: http://www.ufpe.br/carlosestevao 

 * Renato Athias [perfil] é coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE/UFPE) e Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPE.