Renato
Athias (*)
NEPE/PPGA/UFPE
As fotografias
que são o objeto principal desse artigo foram exibidas durante a 28a. Reunião
Brasileira de Antropologia em Julho de 2012, na exposição organizada pelos
colegas Selda Vale da Costa, Andreas Valentin, e por mim, intitulada Imagens da Amazônia (veja texto de abertura
da exposição no anexo). E atualmente, estas fotografias encontram-se expostas
na UFPE. Elas são sobre os Índios do Rio Negro, e fazem parte da Coleção
Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira (CECEO), do Museu do Estado de
Pernambuco, estão atribuídas por mim a Curt Nimuendajú. Não existe em nenhum
lugar, na documentação da coleção, algo que possa informar quem foi o fotógrafo
para esse conjunto de 33 fotografias dos índios do Rio Negro.
Logo
que tive acesso ao conjunto de cartas escritas por Curt Nimundajú,
reunidas e publicadas por Thekla Hartmann (NIMUENDAJÚ 2000) li com
muito interesse todas as cartas que se referem a sua viagem ao Rio
Negro em 1927. Em uma essas carta ele revela ter levado negativos, e
que havia feito fotografias durante sua viagem. E chegava a comentar
que gastou seus últimos negativos na aldeia de Urubuquara, no Rio
Uaupés (NIMUENDAJÚ 2000:112). E eu sempre me perguntava, onde
estariam tais fotografias, pois no texto de seu relatório de 1927 ao
SPI, organizado e publicados por Alfred Métraux em 1950 e 1955 no
Journal de la Société des Américanistes, não continham
nenhuma fotografia.
A Coleção
Etnográfica Carlos Estevão (ATHIAS 2003) constitui-se em um valioso acervo de
objetos etnográficos, arqueológicos, fotográficos e documentais de mais de
3.000 peças adquiridas entre os anos de 1909 a 1946 quando o pernambucano,
advogado, poeta e naturalista Carlos Estevão de Oliveira trabalhou na região
Amazônica ocupando importantes cargos no Estado do Pará como promotor público
em Alenquer, funcionário público em Belém, e por fim, Diretor do Museu Paraense
Emílio Goëldi, cargo que exerceu até sua morte em junho de 1946. Esta coleção
que compreende objetos de 54 povos indígenas mostra uma variedade de objetos
que faziam e fazem parte da vida cotidiana desses povos. As exposições
permanentes, e as diversas mostras itinerantes organizadas pelo Museu do Estado
de Pernambuco indicam quão importante é essa coleção para se visualizar as
riquezas, a vida, os costumes e os aspectos culturais dos povos indígenas do
Brasil.
As fotografias
da Coleção Etnográfica Carlos Estevão, compreendem cerca de mil fotografias que
chegou ao Museu do Estado de Pernambuco, juntamente com a coleção em 1946.
Essas fotografias estão sendo trabalhadas sistematicamente desde 2005, quando
se resolveu colocar em lugar apropriado. “Para nossa surpresa, assinala Karla
Melanias (2006), já que não tínhamos praticamente nenhuma informação sobre esse
acervo fotográfico, especialmente porque desconhecemos até o presente momento
qualquer fonte bibliográfica sobre essa coleção de fotografias especificamente,
encontramos uma quantidade considerável de fotografias guardadas nas estantes
da biblioteca do Museu. Pode-se de imediato perceber a riqueza de informações
na visualidade etnográfica dessas imagens que registraram a cultura indígena em
sua diversidade e a mantiveram observável em fragmentos de imagens até a
atualidade” (MELANIAS 2006:20).
Karla Melanias
apresenta em sua dissertação de mestrado um detalhamento sobre o estado geral
das fotografias da coleção em 2005, informando que o acervo não se encontrava
até então digitalizado, e que o estado físico dessas fotografias também não
permitiria manipulá-las para um estudo mais detalhado. Outra questão, que nos
parece relevante diz respeito à mencionada insuficiência de informações básicas
sobre o acervo fotográfico. Estas fotografias são bicolores, ou seja em sépia, dispostas
em vários tamanhos e formatos de papel fotográfico, e distribuídas em dois
álbuns originais e dez fichários, mantidos em estantes na biblioteca e na
reserva técnica do Museu. A pesquisadora assinala que o estado de conservação
dessas fotografias era “precário e os papéis fotográficos se encontravam em
estágios diferentes de deterioração, correndo o risco iminente de serem
totalmente perdidos” (MELANIAS 2006:11).
Em 2009
iniciamos um projeto de pesquisa, com o importante apoio de Margot Monteiro,
diretora do Museu, e com recursos financeiros da Fundação do Amparo a Pesquisa
de Pernambuco (FACEPE), com a finalidade de trabalhar os aspectos de
conservação, catalogação e divulgação da coleção como um todo. A partir dessa
data a coleção passou por todo um processo de digitalização, até os dias de
hoje, e a totalidade da coleção já se encontra disponibilizada para pesquisa.
Alguns trabalhos acadêmicos surgem sobre essa coleção tanto no Curso de
Ciências Sociais, Museologia, como no Programa de Pós-Graduação em Antropologia
da Universidade Federal de Pernambuco. Em 11 de novembro de 2009 foi
inaugurada o acesso on line da
segunda etapa da digitalização desse acervo fotográfico, na internet, na sede
da FACEPE, pelos professores Diogo Ardaillon Simões e Alfredo Arnóbio de Souza
Gama, Presidente e Diretor Científico da FACEPE, respectivamente.
Diferentemente
de outros acervos fotográficos de índios do século XIX e XX este acervo está
longe de documentar o exótico, tal como comenta Stephen Nugent (2007) ou mesmo,
Fernando de Tacca (2011). O conjunto deste acervo fotográfico, nos parece que
foi organizado pessoalmente por Carlos Estevão como um conjunto de fotografias
de trabalho pessoal. Muitas dessas fotografias retratam objetos em primeiro
plano. Existe um outro conjunto de fotos nessa coleção, também de Nimuendajú,
dos Kaiapó/Gorotire, que mostra uma espécie de passo-a-passo do uso de
acangataras e outros objetos. Tal como se encontra entre essas 33 fotografias
encontradas nesse acervo. E existem fotografias retratando apenas objetos onde
se pode perceber a maneira de utilizar. Entre essas fotografias existe duas
fotografias de objetos de uma cozinha no fundo de uma maloca. Essas fotografias
nos parecem que eram utilizadas junto aos acervos etnográficos para responder
as perguntas práticas de como esses objetos são usados pelos índios. Portanto,
longe de mostrar o exótico e sim mostrar a realidade em que estão vivendo.
Nesse aspecto se percebe nessas fotografias de Nimuendajú um grande interesse
em registrar a situação desses índios. Em conversas que tive com Gertrudes
Gomes Lins, Icléia Braga Mascarenhas e Mariza Varella, da reserva técnica do
MEPE, que conviveram com Lígia Estevão de Oliveira, obtivemos notícias, que ela
utilizava bastante essas fotografias colocando-as junto a exposição de parte
dos objetos da coleção no Museu.
Durante os
anos de 1920 a 1946, em que Carlos Estevão foi diretor do Museu Paraense Emílio
Goëldi, ele teve a oportunidade de encontrar-se com diversos pesquisadores e
etnógrafos que por ali passaram. Neste período, ele manteve uma relação
privilegiada[1]
com Curt Nimuendajú, etnólogo e pesquisador do Serviço de Proteção dos Índios
(SPI) com o qual teve oportunidade de escutar e ler os seus principais relatos
etnográficos, e o incentiva a elaborar um mapa etno-lingüístico dos povos
indígenas do Brasil, cujo original, confeccionado em papel canson, tintas
naquim e aquarela, encontram-se entre os objetos da coleção. Tendo como base o
famoso mapa etno-lingüístico de Carl Friedrich Philipp von Martius de
1867[2]. Atualmente,
este mapa é referência para todos os que estudam os povos indígenas do Brasil
(IBGE 1981). Carlos Estevão, segundo minha opinião, certamente participou
durante muitos anos da “irrequietude” como muito bem descreve Michael Kraus em
seu panegírico sobre Curt Nimuendajú, publicado na revista Humboldt do Instituto
Goethe (KRAUS 2009). Interessante notar, que John Hemming percebe a pessoa de
Curt Nimuendajú como sendo bastante sensível, e por isso, ele pode notar
através de seus escritos, uma certa “raiva” pela difícil situação em que viviam
os povos indígenas. Eu pessoalmente concordo com John Hemming, quando leio, por
exemplo, o texto de Nimuendajú, sobre a sua viagem no trecho do Rio Uaupés, em
1927, por exemplo. (HEMMING 2003:174).
Eu vi essas
fotografias pela primeira vez em 2003, espalhadas em diferentes álbuns no
acervo da Coleção Etnográfica Carlos Estevão, sem muito fazer as conexões que
faço hoje. E em 2006, durante o processo de orientação da dissertação de Karla
Melanias tive oportunidade de observá-las mais, e a partir daí, comecei a fazer as primeiras associações com a
viagem de Curt Nimuendajú em 1927 nas áreas indígenas do Rio Negro, e,
sobretudo, colocá-las para formar um conjunto. Para mim, que conheço muito bem toda
região do Alto Rio Negro, não foi muito difícil colocar todas essas fotografias
em um mesmo álbum, tal como elas estão dispostas hoje, pois possuem uma
indicação do lugar onde foi retratado e informação sobre as pessoas da foto em
uma legenda escrita (em algumas em lápis) no verso das fotografias. A
caligrafia usadas nessas legendas indica que não foi Curt Nimuendajú quem as
escreveu. Eu imagino que tenha sido talvez ditado por ele à Ligia Estevão,
filha de Carlos Estevão, que foi sua aluna no seu Curso de Etnologia no Museu
Goëldi, e que dedicou praticamente toda a sua vida cuidando desse acervo em
memória de seu pai. Ao colocar todas juntas e verificar os lugares que essas
fotografias retratam, nos permitem afirmar que as fotografias foram efetuadas
por Curt Nimuendajú e realizadas na sua famosa viagem de 1927, muito bem
relatada em seu texto o “Reconhecimento dos Rios Içana, Ayari e Uaupés”.
Nestes últimos anos venho trabalhando para entender essas fotografias, e,
sobretudo procurando saber realmente quem foi o fotógrafo dessas 33 fotografias
dos índios do Rio Negro do acervo do Museu do Estado de Pernambuco.
Este acervo
fotográfico, como assinalamos em outras ocasiões (ATHIAS 2003), não possui os
negativos e seu estado de conservação não é muito bom. As situações retratadas
são de situações, pessoas, lugares e monumentos importantes na mitologia
indígena dos índios do Rio Negro. Como muito bem disse João Martiniano Mendonça
(2009), Nimuendajú utilizava as fotografias como uma alavanca para a sua
própria memória quando ia escrever seus trabalhos. E, exatamente por isso que
tenho a convicção que essas fotografias pertencem ao olhar de Nimuendajú, pois
ao ler “Reconhecimento dos Rios Içana, Ayari e Uaupés”, podemos
encontrar os detalhes dessas fotografias, como se fossem uma grande legenda.
Nesse texto encontramos os motivos pelos quais Nimuendajú fez essas fotografias
e outras que ainda não sabemos onde estão.
O referido
texto “Reconhecimento dos Rios Içana, Ayari e Uaupés” foi publicado em forma de
artigo a primeira vez, eu acredito, editado por Alfred Métraux, no Journal de
la Société des Américanistes, em 1950, no volume 39 nas páginas 125 a 182. E,
pela segunda vez, em 1982 numa coletânea intitulada: Curt Nimuendajú -
Textos Indigenistas, organizada pelo Padre Paulo Suess para as Edições Loyola.
Existem pequenas divergências entre as duas publicações, e isso será motivo de
outro artigo. Este texto trata-se, na realidade,
de um relatório de Curt Nimuendajú ao Serviço de Proteção aos
Índios (SPI) Inspetoria do Amazonas e Acre. A segunda parte desse relatório foi
publicada em 1955 com o seguinte título: Reconhecimento dos rios Icána, Ayarí,
e Uaupés, março a julho de 1927. Apontamentos lingüísticos, também
no Journal de la Société des Américanistes, no tomo 44, páginas
149-178. E constitui-se de um conjunto de informações etnográficas e
lingüísticas coletadas durante esta famosa viagem de 1927. Seria interessante
investigar como estão dispostos esses dois textos nos arquivos do Museu
do índio, que é o depositário do acervo do antigo SPI.
Ainda sobre
informações fotográficas dos índios do Rio Negro, nessa mesma época, existe um
relatório do Inspetor Bento de Lemos, de 1931, da 1a. Inspetoria em Manaus, que
contém outras tantas fotografias, que eu mesmo havia visto quando ainda era
Diretor-Responsável do Jornal Porantim, em Manaus em 1979. Algumas fotos,
publicadas nesse relatório, eu não tenho certeza, mas Bento de Lemos deve ter
recebido do próprio Nimuendajú quando ele esteve hospedado em sua casa, em
Manaus, durante a sua ida para São Gabriel e quando voltou. Acredito que
algumas delas tenham sido entregues pelo fotógrafo Philip Von Luetzelburg, pois
no relatório contém fotografias realizadas no Rio Papuri e Tiquié.
O nosso
querido colega Joaquim Melo (2007) que escreveu uma importante dissertação de
mestrado sobre a atuação do SPI nesse período teve a gentileza de me enviar uma
cópia desse relatório de Bento de Lemos. Como o texto desse relatório é uma
fotocópia de um arquivo microfilmado, e essas fotografias não estão
identificadas no relatório, se torna muito difícil a afirmação sobre
quem foi o fotógrafo dessas imagens. É evidente que muitas pessoas viajaram por
essa região, sobretudo após a publicação do importantíssimo livro de Theodor
Koch-Grünberg (1906) que realiza uma brilhante etnografia dos povos dessa
região, e que foi traduzido para o português cem anos depois[3].
E, nesse caso, o mais interessante é que Nimuendajú, não só percorre o mesmo
trajeto realizado por Koch-Grünberg, como também utiliza-se da mesma logística
informada por ele. E aqui temos a informação que ele também se correspondia com
Koch-Grünberg, pois “Cartas do Sertão” (2000)[4]
Nimuendajú cita claramente o apoio de Germano Garrido de São Filipe do Rio
Negro como seu principal colaborador nessa viagem (2000:108) tal como Koch-Grünberg.
Michael Kraus (2009) dá ênfase a profunda amizade entre os dois com quando cita
um trecho de uma carta de
Koch-Grünberg para Nimuendajú: “Aquilo
de que os dois gostavam um no outro já tinha sido formulado por Koch-Grünberg
no encerramento de uma carta de 1915: “Passe bem e volte a me escrever logo.
Suas interessantes cartas são para mim sempre motivo de grande alegria,
sobretudo porque há um forte laço que nos une, a afeição por essa pobre
humanidade morena!”.
Entre 2011 e
2012 tenho tido várias conversas e troca de e-mails com pesquisadores sobre
esse conjunto de fotografias buscando uma identidade para o fotógrafo desse
rico material imagético e etnográfico que essas imagens se expressam através da
Coleção Etnográfica Carlos Estevão que se encontra entre os principais acervos
do Museu do Estado de Pernambuco.
Denise
Portugal Lasmar (2000) foi importante pesquisadora do Museu do Índio e exímia
conhecedora do acervo fotográfico da Comissão Rondon. Ela sugeriu que eu
comparasse as fotografias encontradas no acervo do Museu do Estado de
Pernambuco com as do álbum fotográfico do Acervo do Museu do Índio,
contendo fotos desse mesmo período do fotógrafo Philip Von Luetzelburg. Foi
extremamente interessante realizar essa comparação. Na realidade, as fotos
desse álbum são de 1928, um ano depois da viagem do Curt Nimuendajú. E,
realmente, Luetzelburg faz o mesmo trajeto de viagem no Rio Negro que
Koch-Grunberg e Curt Nimuendajú, e talvez, aqui é uma suposição minha,
utilizando-se do mesmo apoio logístico de Germano Garrido de São Filipe, tal
como fez Koch Grünberg e Curt Nimuendajú. Ele deve ter providenciado as canoas
e os remadores indígenas para a viagem ao Içana e Aiari. Entre as
fotografias de Luetzelbug existem duas fotografias da Maloca de Pari Cachoeira
e imagens do Papuri, locais que Nimuendajú não menciona em seu relatório, o que
eu acho muito estranho, por causa do itinerário. Isso significaria que
Luetzelburg deve ter ficado muito mais tempo na região que Nimuendajú, para ter
viajado pelos Rios Papuri e Tiquié.
Recentemente,
durante o 54º. Congresso Internacional de Americanistas, realizado em
Viena, eu me encontrei com o Prof. Ernst Halbmayer da Universidade de Marburg,
e em nossa conversa sobre essas fotografias ele me sugere seguir a fontes de Berlim.
Logo em seguida entrei em contato com o Prof. Michael Kraus do Museu Etnológico
de Berlim. Em nossa troca de informações ele me informa que existe
um artigo, publicado por Luetzelburg em 1941,
intitulado "Amazonien als organischer Lebensraum", que menciona
detalhes de sua viagem no Rio Negro em 1928. No anexo existem seis fotografias
tiradas por ele, uma delas mostra a Maloca Tukano de Pari Cachoeira no Rio
Tiquié. Fotografias gentilmente enviadas pelo Prof. Kraus. Ele não tinha
conhecimento das fotografias encontradas por mim no acervo do MEPE. Ao ter
conhecimento dessas fotografias ele concordou com minhas observações. E, de
acordo com o seu conhecimento de outras fotos, ele também acredita que as
fotografias da Coleção Etnográfica Carlos Estevão podem ser atribuídas a Curt
Nimuendajú. E nesse aspecto eu tenho quase certeza, pois como disse antes, os
lugares mencionados no relatório de Curt Nimuendajú de 1927, são todos
mencionados nas legendas em lápis nas fotografias da CECEO, como assinalamos
anteriormente
Na minha
investigação por indicações de Denise Portugal, eu encontrei um grupo de 45
fotografias de Luetzelburg no Acervo do Museu do Índio, no Rio de Janeiro,
em um álbum de fotografias intitulado: Im
Stromgebiet des Rio Negro. Em uma primeira observação realizada
recentemente, posso dizer que não existe correspondência entre as
fotografias, e sim em alguns lugares mencionados, que são os mesmos visitados
por Nimuendajú em 1927, com exceção a Pari-Cachoeira, e as fotografias do Rio Papuri,
como falei anteriormente. Neste grupo de fotos, existe uma fotografia do Tuxaua
Mandu que parece ser a mesma pessoa que está no acervo da CECEO do Museu do
Estado de Pernambuco, cuja legenda está dizendo: Tuxaua Mandú,
Waliperi-Dakenay, Maloca Cururu, no Ayari, legenda diferente daquela que está
no álbum de Von Luetzelbug. Tenho certeza de que se trata da mesma pessoa
fotografada, mas aparentemente não é o mesmo fotógrafo. Abaixo coloco algumas
fotos da CECEO e que constam da exposição que foi inaugurada na 28ª RBA, em
Julho de 2012 em São Paulo e que estarão em exposição em São Gabriel da
Cachoeira ainda no mês de outubro. São seis fotografias, tais como estão
guardadas na Museu do Estado de Pernambuco. Com as legendas tais como estão escritas,
e mostram as condições nas quais elas se encontram hoje nesse acervo. Nosso
projeto, com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Ciência e a Tecnologia
do Estado de Pernambuco (FACEPE), está permitindo que parte dessas fotografias
sejam digitalizadas, e que passem por um tratamento de imagem, recuperando o
seu contexto geral. A primeira fotografia abaixo foi publicada pelo próprio Nimuendajú, em um relato seu sobre suas viagens na nos anos de 1922 a 1927, em uma revista na Alemanha intitulada: Streifzüge in Amazonien. Sonderdruck aus Ethnologischer Anzeiger (1929:91-99).
Rio Uaupés ìndios Wanana,
maloca Yutica. Dançadores
Rio
Uaupés, Índios Tariana, maloca Yauarete
Rio Uaupés, Índios
Wanana,maloca Taínya
Índios
Waliperi-dakenai. O velho Tushaua Mandu
Í̀ndios Hohodene,dirigindo-se
para a maloca Tucano
Rio Içana.
Indios Mapanaí. Maloca Yandu
Curt
Nimuendajú em uma de suas cartas a Carlos Estevão, muito bem selecionadas por
Thekla Hartmann, no volume Cartas do Sertão, nos informa claramente que viajara
em 1927, em seu reconhecimento dos rios Içana, Ayari e Uaupés, com uma câmera
fotográfica. Portanto, acredito que estas fotografias encontradas no acervo da
Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira jamais publicadas são de fato de
Curt Nimuendajú, pois nessa carta ele escreve que gastou os últimos negativos
em uma festa de Jurupari entre os Tariana de Urubuquara. Ele se
refere a esse momento desta forma:
“....gastei os meus últimos filmes com esta
gente divinamente bela na sua robusta nudez, no seu esplendor dos seus enfeites
selvagens. Eram mais de 120 índios, e não me fartei de observá-los durante a
noite toda nas suas danças ao clarão da fogueira em redor dos possantes esteios
da enorme maloca e quase chorei de indignação e de raiva impotente quando me
lembrava que esta festa de fato poderia ser a última. Porque eu ia embora e
João Padre ficava...” (NIMUENDAJÚ 2000:112)
Onde estão
estas fotografias da festa de Urubucuara? É uma grande pergunta. Ou será que
Curt Nimuendajú foi extremamente respeitoso de não revelar essas fotos por as
mesmas conterem as flautas de jurupari proibido aos olhares das mulheres? Mas a
pergunta continua. Onde estão esses negativos?
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Notas:
(*) Professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco e Coordenador Geral de Museus da Fundação Joaquim Nabuco. A primeira versão deste artigo foi apresentada no II Seminário de Museologia e Contemporaneidade no dia 11 de Maio de 2012 e na Conferencia no Museu do Estado de Pernambuco no dia 23 de Junho de 2012. Gostaria de Agradecer os comentários de Nilvânia Amorim Barros, Wilke Melo, Michael Kraus, Denise Portugal Lasmar, e Ernst Halbmayer.
[1] Sobre essa relação conferir importante publicação intitulada: “Cartas do Sertão” organizada por Thekla. Hartmann com as correspondências de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de 1920 as 1944.
[2] Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerikas zumal Brasiliens (1867), é a obra clássica de Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), é uma importante fonte de conhecimento de muitas línguas e povos do Brasil Indígena.
[3] Koch-Grünberg morre rápida e tragicamente no Brasil em 1924 depois de ter contraído uma forte malaria. Ele estava justamente na região amazônica explorando o Rio Branco (afluente do Rio Negro) com o medico, geógrafo e explorador Alexander H. Rice Jr, e o português, residente em Manaus, Silvino Santos. O filme dessa expedição foi realizado pelo próprio Silvino e está intitulado “O Caminho do Eldorado”. Sobre esse filme consultar Selda Vale da Costa (1987).
[4] Sobre a obra Cartas do Sertão ver: AMOROSO, Marta Rosa. Nimuendajú às voltas com a história. Revista de Antropologia, 2001, vol.44, n.2, USP São Paulo pp. 173-188
Imagens da Amazônia
Andreas Valentin, Renato Athias, e Selda Vale da Costa
Imagens da Amazônia reúne um conjunto de três exposições de fotografias especialmente selecionadas para esta 28a Reunião Brasileira de Antropologia. O primeiro conjunto foi selecionado por Selda Vale da Costa, do acervo de Silvino Simões Santos Silva (Cernache do Bonjardim, 1886 — Manaus, 14 de maio de 1970). Silvino foi fotógrafo e cinegrafista luso-brasileiro que se estabeleceu em Manaus, tendo sido o autor, juntamente com Agesilau Araújo (filho do Comendador J.G. Araújo), do clássico documentário em branco-e-preto sobre a Amazônia intitulado No Paiz das Amazonas (Brasil, 1921). Silvino Santos retrata a exploração da borracha no “Paíz das Amazonas”. O outro conjunto de fotografias foi selecionado, por Andreas Valentim entre as fotografias de George Huebner (Dresden, 1862 - Manaus, 1935). O fotógrafo alemão Huebner se estabeleceu em Manaus no final do século XIX. A sua obra apresenta as possibilidades técnicas e representacionais da fotografia na/e sobre a Amazônia. Aproximando-se da botânica e da emergente etnologia alemã, Huebner dirigiu sua câmera também para os indígenas da Amazônia, fotografando-os no campo, e em seu estúdio, “Photographia Allemã”, instalado no centro de Manaus durante o apogeu da economia da borracha. E o terceiro conjunto de fotografias foi organizado por Renato Athias retiradas do acervo da Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira do Museu do Estado de Pernambuco. Estas fotografias são atribuídas a Curt Nimuendaju, e todas elas retratam os povos indígenas do Rio Negro no ano de 1927.
Todos os três fotógrafos têm em comum as suas relações com cientistas, instituições de pesquisas nacionais e instituições européias e, principalmente, suas amizades, e parceria profissional, com o naturalista Theodor Koch-Grünberg que possibilitou uma visibilidade internacional para Huebner, Curt Nimuendaju e Silvino Santos. Nas inúmeras cartas de Huebner enviadas para Koch-Grünberg, ele menciona algumas vezes Nimuendajú (“... um excelente etnógrafo”) e Silvino Santos (“as fotografias dos índios Huitotos no rio Putumayo ... são de um jovem de nome Santos”). Na correspondência entre Curt Nimuendajú e Carlos Estevão, publicadas no livro “Cartas do Sertão” (organizado por Thekla Hartmann), Nimuendajú faz referência a sua viagem entre os povos indígenas do Rio Negro.