quarta-feira, 8 de junho de 2016

“As Forças Encantadas: Dança e Ritual entre os Pankararu”


“As Forças Encantadas:
Dança e Ritual entre os Pankararu”

Ensaio Fotográfico de Renato Athias & Sarapó Pankararu com as
Imagens de Carlos Estevão de Oliveira de 1937.
Laboratório de Antropologia Visual - Universidade Federal de Pernambuco
Museu do Estado de Pernambuco
Recife, 2016




Flechamento do Imbu

Toré com cansanção nas Corridas

Apanhadores de Cansanção

Apanhadoras de Imbu

Toré com Cansanção 

As cestas nas corridas

Mulheres zeladoras

Vinho de ajucá

Praiás preparados para a Luta

O Menino, a Noiva as Madrinhas e os Padrinhos


“As Forças Encantadas:
Dança e Ritual entre os Pankararu”

Ensaio Fotográfico de Renato Athias & Sarapó Pankararu
com imagens de Carlos Estevão de Oliveira, 1937


            “As Forças Encantadas: Dança, Festa e Ritual entre os Pankararu” é um ensaio fotográfico elaborado a partir do acervo de imagens de Carlos Estevão de Oliveira, do Museu do Estado de Pernambuco, no âmbito do projeto intitulado: “Povos Indígenas de Pernambuco: Memória, Documentação e Pesquisas” do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE) da Universidade Feral de Pernambuco.
            Estas fotografias foram realizadas pelo pesquisador Carlos Estevão no ano de 1937 quando esteve nas terras Pankararu e quando iniciou seu trabalho etnográfico com esse povo. As fotos foram selecionadas para mostrar a relação dos Pankararu com a dimensão do sagrado a relação deles com as forças encantadas nas aldeias onde vivem no município de Tacaratu, Jatobá e Petrolândia, no sertão do sub médio Rio São Francisco. 
            Os Encantados são entidades que fazem parte da cosmologia Pankararu. Eles estão presentes em todo território indígena e agem como intermediários entre aqueles que estão na terra, que fazem parte do mundo humano, com a entidade maior – que não está presente nessa terra. Essa relação se efetua em diversos momentos num calendário rico e dinâmico nos “terreiros” (lugar público onde o sagrado estabelece relação com as pessoas desse mundo) das diversas aldeias Pankararu. Nesses terreiros, os “Praiás” – entes que tem o nome próprio, devidamente vestidos em trajes feito exclusivamente da fibra do “caroá” – se manifestam publicamente para as pessoas presentes. O Praiá é um personagem mitológico que se encantou e que se tornou um intermediário das forças vitais para a  movimentação e a dinâmica ritualística do mundo Pankararu. Esses encantados vão estar presentes nas festas e cerimônias rituais dos Pankararu durante o ano.
            A mais importante manifestação religiosa Pankararu trata-se das “Corridas do Umbu”. É quando o ano se inicia, depois das trovoadas de janeiro, já se iniciando as plantações após as primeiras chuvas. Com o aparecimento do imbu, como eles dizem, os detentores de saber vão escolher o dia para o “flechamento” do primeiro umbu que aparece. No final de semana logo após o dia do flechamento, iniciam-se as corridas que vão ser movimentadas em dois principais terreiros: o do Brejo dos Padres e o da Serrinha.  Durante 4 finais de semana, os Pankararu se ajuntam nesses terreiros para dançar e cantar os torés, se queimarem com as ortigas de cansanção e sobretudo para buscarem a força encantada para o ano todo. Essa festa se inicia na madrugada do sábado, tanto na Serrinha quanto no Brejo, com a lembrança de todas as possibilidades de vida e a dança de humanos e animais em um conjunto coreográfico imponente onde os Praiás, através de um ritmo contagiante e alegre dos cantadores de toantes vão relatando as forças e as belezas dos animais e a relação entre humanos e não humanos nesse mundo presente. Essa festa termina no  quarto final de semana com a saída do “Mestre Guia”, chefe de todos os encantados.  A saída do Mestre Guia, no terreiro apropriado, na Serrinha, é vista por todos que se identificam como parte da identidade Pankararu com muita consternação. Ele é recebido com muita alegria em uma cerimônia em que o silêncio é parte fundamental para o recebimento dessa força.
            As outras festividades  entre os Pankararu são realizadas em um calendário que não é fixo. O ritual do “Menino-no-Rancho” é uma manifestação em que todos os Pankararu são chamados para participar. Envolve um considerável trabalho de logística e de organização. Tem um caráter de iniciação e representa a proclamação pública de uma clara intervenção (uma cura por exemplo) de um encantado no menino que foi posto no rancho. Os pais do menino precisam organizar essa festa ritualizada – que dura pelo menos uma noite e um dia completo. Os pais do menino precisam, também, buscar uma quantidade muito grande de comida para oferecer a todos os convidados que às vezes ultrapassam 500 pessoas. Os pais do menino convidam uma noiva e duas madrinhas para o menino, bem como vão arregimentar o maior número de padrinhos possível. A noiva vai dançar com o menino acompanhado pelas duas madrinhas. Os cantadores de toantes apropriados se revesam durante toda a festa. Os padrinhos vão ter um papel importante no momento da "luta" corporal com os Praiás, para garantir que o menino possa ficar nesse mundo. Uma luta de fato entre os céus e a terra em que o menino será guardado e protegido de fato pelos padrinhos. Essa luta corpo a corpo entre Praiás e Padrinhos pode durar uma tarde inteira. Ao término, o menino será enfim "guardado" por um dos Praiás, que o passará a protege-lo por toda a vida.
            As outras festas são organizadas por famílias zeladoras de Praiás, pois cada uma das famílias possui certo número desses entes encantados. Essas famílias organizam os espaços (Poró) onde os Praiás são guardados, e onde certas obrigações são realizadas de forma a manter a  força encantada viva entre os membros da família. Em todas as obrigações  estão presente as ervas, o fumo encantado (tabaco aromatizado de preparo exclusivo para as forças encantadas) e o vinho de ajucá (bebida preparada da jurema). Esses vegetais são um sinal do respeito ao sagrado, pois são vistos como elementos de sustentação do mundo em que vivemos.
           


“The Enchanted Forces:
Dance and Ritual among the Pankararu "

Photo Essay Renato Athias & Sarapó Pankararu
Photos of Carlos Estevão de Oliveira of 1937


"The Enchanted Forces: Dance and Ritual among the Pankararu" is a photo exhibit with selected images from the collection of Carlos Estevão de Oliveira of the State Museum of Pernambuco, which is part of the project “Indigenous Peoples of Pernambuco: Memory, Documentation and Research” carried out by Centre of Studies and Research on Ethnicity (NEPE) of the Federal University of Pernambuco.
The researcher Carlos Estevão took these photographs in the year 1937, when he had been in the land of the Pankararu conducting ethnographic work with this people. The photos were selected to show the relationship of the Pankararu with the dimension of the sacred and their relations with the “enchanted forces” in the villages where they live in the municipalities of Tacaratu, Jatobá and Petrolândia in the São Francisco River basin.
The “Enchanted Forces” are entities that are part of Pankararu cosmology and religion. They are present throughout the indigenous land and act as intermediaries between those who are on Earth (who are part of the human world) and a larger entity that is not present on this Earth. This relationship takes place at different times in rich and dynamic performance at "terreiros" (public places where the sacred establishes a relationship with the people of this world) in the various Pankararu villages. In these “terreiros” the "Praiás" – which are entities dressed in special ‘tunics’ made exclusively from the "caroá" fibre – manifest themselves to the people present. The Praiá is a mythological is an enchanted character that became an intermediary of the vital forces of movement and ritualistic dynamics of the Pankararu world. These ‘enchanted’ entities are present in parties, ceremonies and rituals of the Pankararu during the year.
The most important Pankararu religious manifestation is the "Corridas do Umbu” (The Umbu Races. Umbu, a Brazil plum, is a fruit that is endemic to the Northeast semi-arid region of Brazil. This is when the year begins, after the storms of January, and with the starting of plantations after the first rains, with the appearance of imbu (umbu), as they say. It is during this time of the year that holders of knowledge (the zeladores) will choose the day for the "flechamento"(arrowing) of the first umbu fruit to appear. The weekend after the day of “flechamento”, the races begin in two main religious communities: at the Brejo dos Padres and at the Serrinha community. For over 4 weekends the Pankararu come together in these “terreiros” to dance the “torés” and sting themselves with the “ortigas of cansanção” (plant:  Cnidoscolus pubescens) and above all to seek the enchanted force for the year. This party starts at dawn on Saturday, both in Serrinha village and in Brejo dos Padres with people remembering all the possibilities of life in dances of humans and animals, in beautiful choreographic movements with cheerful beats and a special rhythm to celebrate the enchanted forces, the beauty of animals and the relationship between humans and nonhumans in this present world. This party ends in the fourth weekend with the performance of "Mestre-Guia" (the Master-Guide), chief of all the enchanted forces. The Master-Guide’s ritual, in its appropriate “terreiro” in Serrinha village, is seen with much consternation by all who consider themselves to be part of Pankararu identity. He is received with joy at a ceremony where silence is also an integral part in the ritual to receive the enchanted force.
Other rituals among the Pankararu are held according to a calendar, which is not fixed. The ritual of the "Menino no Rancho” (Boy-in-Ranch) is a manifestation where all Pankararu are called to participate. It involves considerable logistics and greater organization. It is an initiation ritual and a public proclamation of a clear healling intervention of the enchanted in the boy. The boy’s parents need to organize this ritual that lasts one night and a full day. The boy's parents also need to arrange a very large amount food to offer all the guests that sometimes exceed over 500 people. The boy's parents will invite a bride and two godmothers for the boy, and will try to enlist the highest possible number of godfathers. The bride will dance with the boy accompanied by the two godmothers. The godfathers will play an important role, as they will ‘fight’ with the parents to ensure that the child ‘stays in this world’. It is a fight between the ‘heavens’ and earth in which the godparents will guard the boy. This fight can last a whole afternoon. When it is finished, the Praiás who will protect him for the rest of his life will finally save the boy.
The other rituals are organized by families that are keepers of the Praiás because each family has a certain number of these enchanted entities. These families organize spaces (called “Poró”) where the Praiás are stored, and where certain obligations are carried out in order to keep alive the enchanted force between family members. In all these obligations you will find herbs, enchanted smoke (flavoured tobacco, unique in preparation for the enchanted forces) and “ajucá” wine (drink prepared from the “jurema” plant). These elements are seen as a sign of respect for the sacred as they are considered vital for sustenance in this world.