“As Forças Encantadas:
Dança e Ritual entre os Pankararu”
Ensaio Fotográfico de Renato Athias & Sarapó Pankararu com as
Imagens de Carlos Estevão de Oliveira de 1937.
Laboratório de Antropologia Visual - Universidade Federal de Pernambuco
Museu do Estado de Pernambuco
Recife, 2016
Flechamento do Imbu
Toré com cansanção nas Corridas
Apanhadores de Cansanção
Apanhadoras de Imbu
Toré com Cansanção
As cestas nas corridas
Mulheres zeladoras
Vinho de ajucá
Praiás preparados para a Luta
O Menino, a Noiva as Madrinhas e os Padrinhos
“As Forças Encantadas:
Dança e Ritual entre os Pankararu”
Ensaio Fotográfico de
Renato Athias & Sarapó Pankararu
com imagens de Carlos
Estevão de Oliveira, 1937
“As
Forças Encantadas: Dança, Festa e Ritual entre os Pankararu” é um ensaio
fotográfico elaborado a partir do acervo de imagens de Carlos Estevão de
Oliveira, do Museu do Estado de Pernambuco, no âmbito do projeto intitulado:
“Povos Indígenas de Pernambuco: Memória, Documentação e Pesquisas” do Núcleo de
Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE) da Universidade Feral de
Pernambuco.
Estas
fotografias foram realizadas pelo pesquisador Carlos Estevão no ano de 1937 quando
esteve nas terras Pankararu e quando iniciou seu trabalho etnográfico com esse povo.
As fotos foram selecionadas para mostrar a relação dos Pankararu com a dimensão
do sagrado a relação deles com as forças encantadas nas aldeias onde vivem
no município de Tacaratu, Jatobá e Petrolândia, no sertão do sub médio Rio São
Francisco.
Os
Encantados são entidades que fazem parte da cosmologia Pankararu. Eles estão
presentes em todo território indígena e agem como intermediários entre aqueles que
estão na terra, que fazem parte do mundo humano, com a entidade maior – que não
está presente nessa terra. Essa relação se efetua em diversos momentos num calendário
rico e dinâmico nos “terreiros” (lugar público onde o sagrado estabelece
relação com as pessoas desse mundo) das diversas aldeias Pankararu. Nesses
terreiros, os “Praiás” – entes que tem o nome próprio, devidamente vestidos em
trajes feito exclusivamente da fibra do “caroá” – se manifestam publicamente
para as pessoas presentes. O Praiá é um personagem mitológico que se encantou e
que se tornou um intermediário das forças vitais para a movimentação e a dinâmica ritualística do
mundo Pankararu. Esses encantados vão estar presentes nas festas e cerimônias
rituais dos Pankararu durante o ano.
A
mais importante manifestação religiosa Pankararu trata-se das “Corridas do
Umbu”. É quando o ano se inicia, depois das trovoadas de janeiro, já se
iniciando as plantações após as primeiras chuvas. Com o aparecimento do imbu,
como eles dizem, os detentores de saber vão escolher o dia para o “flechamento”
do primeiro umbu que aparece. No final de semana logo após o dia do flechamento, iniciam-se as corridas que vão ser movimentadas em dois principais
terreiros: o do Brejo dos Padres e o da Serrinha. Durante 4 finais de semana, os Pankararu se
ajuntam nesses terreiros para dançar e cantar os torés, se queimarem com as ortigas de
cansanção e sobretudo para buscarem a força encantada para o ano todo. Essa festa se
inicia na madrugada do sábado, tanto na Serrinha quanto no Brejo, com a
lembrança de todas as possibilidades de vida e a dança de humanos e animais em um
conjunto coreográfico imponente onde os Praiás, através de um ritmo contagiante
e alegre dos cantadores de toantes vão relatando as forças e as belezas dos animais e a relação entre
humanos e não humanos nesse mundo presente. Essa festa termina no quarto final de semana com a saída do “Mestre
Guia”, chefe de todos os encantados. A
saída do Mestre Guia, no terreiro apropriado, na Serrinha, é vista por todos
que se identificam como parte da identidade Pankararu com muita consternação. Ele
é recebido com muita alegria em uma cerimônia em que o silêncio é parte
fundamental para o recebimento dessa força.
As
outras festividades entre os Pankararu são
realizadas em um calendário que não é fixo. O ritual do “Menino-no-Rancho” é
uma manifestação em que todos os Pankararu são chamados para participar.
Envolve um considerável trabalho de logística e de organização. Tem um caráter
de iniciação e representa a proclamação pública de uma clara intervenção (uma cura por exemplo) de
um encantado no menino que foi posto no rancho. Os pais do menino precisam
organizar essa festa ritualizada – que dura pelo menos uma noite e um dia completo. Os
pais do menino precisam, também, buscar uma quantidade muito grande de comida
para oferecer a todos os convidados que às vezes ultrapassam 500 pessoas. Os
pais do menino convidam uma noiva e duas madrinhas para o menino, bem como vão
arregimentar o maior número de padrinhos possível. A noiva vai dançar com o
menino acompanhado pelas duas madrinhas. Os cantadores de toantes apropriados se revesam durante toda a festa. Os padrinhos vão ter um papel
importante no momento da "luta" corporal com os Praiás, para garantir que o menino possa
ficar nesse mundo. Uma luta de fato entre os céus e a terra em que o menino será
guardado e protegido de fato pelos padrinhos. Essa luta corpo a corpo entre Praiás e Padrinhos pode durar uma tarde inteira. Ao término, o
menino será enfim "guardado" por um dos Praiás, que o passará a protege-lo por toda
a vida.
As
outras festas são organizadas por famílias zeladoras de Praiás, pois cada uma
das famílias possui certo número desses entes encantados. Essas famílias
organizam os espaços (Poró) onde os Praiás são guardados, e onde certas
obrigações são realizadas de forma a manter a
força encantada viva entre os membros da família. Em todas as
obrigações estão presente as ervas, o
fumo encantado (tabaco aromatizado de preparo exclusivo para as forças
encantadas) e o vinho de ajucá (bebida preparada da jurema). Esses vegetais são
um sinal do respeito ao sagrado, pois são vistos como elementos de sustentação
do mundo em que vivemos.
“The Enchanted
Forces:
Dance
and Ritual among the Pankararu "
Photo Essay Renato Athias & Sarapó Pankararu
Photos of Carlos Estevão de Oliveira of 1937
"The Enchanted Forces: Dance and
Ritual among the Pankararu" is a photo exhibit with selected images from
the collection of Carlos Estevão de Oliveira of the State Museum of Pernambuco,
which is part of the project “Indigenous Peoples of Pernambuco: Memory,
Documentation and Research” carried out by Centre of Studies and Research on Ethnicity
(NEPE) of the Federal University of Pernambuco.
The researcher Carlos Estevão took
these photographs in the year 1937, when he had been in the land of the Pankararu
conducting ethnographic work with this people. The photos were selected to show
the relationship of the Pankararu with the dimension of the sacred and their relations
with the “enchanted forces” in the villages where they live in the municipalities
of Tacaratu, Jatobá and Petrolândia in the São Francisco River basin.
The “Enchanted Forces” are entities
that are part of Pankararu cosmology and religion. They are present throughout
the indigenous land and act as intermediaries between those who are on Earth (who are part of the human world) and a larger entity that is not present on this Earth.
This relationship takes place at different times in rich and dynamic
performance at "terreiros" (public places where the sacred
establishes a relationship with the people of this world) in the various
Pankararu villages. In these “terreiros” the "Praiás" – which are
entities dressed in special ‘tunics’ made exclusively from the "caroá"
fibre – manifest themselves to the people present. The Praiá is a mythological is
an enchanted character that became an intermediary of the vital forces of movement
and ritualistic dynamics of the Pankararu world. These ‘enchanted’ entities are
present in parties, ceremonies and rituals of the Pankararu during the year.
The most important Pankararu
religious manifestation is the "Corridas do Umbu” (The Umbu Races.
Umbu, a Brazil plum, is a fruit that is endemic to the Northeast
semi-arid region of Brazil. This is when the year begins, after the storms of January,
and with the starting of plantations after the first rains, with the appearance
of imbu (umbu), as they say. It is during this time of the year that holders
of knowledge (the zeladores) will choose the day for the "flechamento"(arrowing) of
the first umbu fruit to appear. The weekend after the day of “flechamento”, the
races begin in two main religious communities: at the Brejo dos Padres and at
the Serrinha community. For over 4 weekends the Pankararu come together in
these “terreiros” to dance the “torés” and sting themselves with the “ortigas of
cansanção” (plant: Cnidoscolus pubescens) and above all to seek the enchanted force for
the year. This party starts at dawn on Saturday, both in Serrinha village and
in Brejo dos Padres with people remembering all the possibilities of life in
dances of humans and animals, in beautiful choreographic movements with
cheerful beats and a special rhythm to celebrate the enchanted forces, the
beauty of animals and the relationship between humans and nonhumans in this
present world. This party ends in the fourth weekend with the performance of
"Mestre-Guia" (the Master-Guide), chief of all the enchanted forces.
The Master-Guide’s ritual, in its appropriate “terreiro” in Serrinha village,
is seen with much consternation by all who consider themselves to be part of
Pankararu identity. He is received with joy at a ceremony where silence is also
an integral part in the ritual to receive the enchanted force.
Other rituals among the Pankararu
are held according to a calendar, which is not fixed. The ritual of the "Menino
no Rancho” (Boy-in-Ranch) is a manifestation where all Pankararu are called to
participate. It involves considerable logistics and greater organization. It is
an initiation ritual and a public proclamation of a clear healling intervention of the
enchanted in the boy. The boy’s parents need to organize this ritual that lasts
one night and a full day. The boy's parents also need to arrange a very large
amount food to offer all the guests that sometimes exceed over 500 people. The
boy's parents will invite a bride and two godmothers for the boy, and will try
to enlist the highest possible number of godfathers. The bride will dance with
the boy accompanied by the two godmothers. The godfathers will play an
important role, as they will ‘fight’ with the parents to ensure that the child ‘stays
in this world’. It is a fight between the ‘heavens’ and earth in which the godparents
will guard the boy. This fight can last a whole afternoon. When it is finished,
the Praiás who will protect him for the rest of his life will finally save the
boy.
The other rituals are organized by
families that are keepers of the Praiás because each family has a certain number
of these enchanted entities. These families organize spaces (called “Poró”)
where the Praiás are stored, and where certain obligations are carried out in
order to keep alive the enchanted force between family members. In all these obligations
you will find herbs, enchanted smoke (flavoured tobacco, unique in preparation
for the enchanted forces) and “ajucá” wine (drink prepared from the “jurema”
plant). These elements are seen as a sign of respect for the sacred as they are
considered vital for sustenance in this world.