domingo, 15 de abril de 2018

A Arte Pankararu no relato de Estevão Pinto em 1938


A Arte Pankararu no relato de Estevão Pinto em 1938
Por Renato Athias

Mais uma vez a Biblioteca Digital Curt Nimuendajú nos brinda como a digitalização a disponibilização “on line” de um artigo de grande importância para aqueles que trabalham com os Pankararu. Trata-se do texto do pesquisador, ensaísta e folclorista Estevão Pinto intitulado: “Alguns aspetos da cultura artística dos Pancarús de Tacaratú”, publicado em 1938 na Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (n.º 2, p. 57-92) mantida, na ocasião pelo Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro. Uma outra versão desse mesmo texto foi publicada no Journal de la Société des Américanistes em 1952, por Alfred Métraux. Ele deve ter recebido esse texto em mãos, pois em anos anteriores em uma de suas viagens a Recife Alfred Métraux deve ter se encontrado com Estevão Pinto no Instituto de Pesquisas Sociais Joaquim Nabuco, hoje, Fundação Joaquim Nabuco.

Eu gostei muito de reler o texto que eu tinha em uma fotocópia já muito velha e desbotada, e sobretudo, poder ver as fotografias que seguramente foi ele mesmo que as fez, e aproveito coloco abaixo deste texto. 

Estevão Pinto tem um interesse particular nesse texto, que é mostrar os aspectos da cultura Pankararu, além evidentemente de situá-los no contexto dos Brejos dos Padres, buscando também conexões com outros grupos linguísticos e povos indígenas, próximos como os Fulni-ô e de longe que estavam sendo apresentados por outros estudiosos. Ele relata sobre esses pesquisadores quando faz essas conexões. Uma das preocupações nesse texto de Estevão Pinto, de fato, é sobre a arte Pankararu, mais também ele que buscar uma explicação sobre a origem linguística dos Pankararu. Quer saber de onde eles passam até se estabelecerem no Brejo dos Padres. Esta também era um dos interesses de Carlos Estevão, e eles vão associar aos demais grupos indígenas da proximidade.

O contexto intelectual, no Brasil dessa época, era de uma valorização muito grande dos aspectos culturais dos índios, pois se buscava fortalecer a identidade nacional e a relação dessa identidade com os povos indígenas. Tudo isso ainda era impacto da famosa Semana de Arte Moderna de 1922. Mario de Andrade, escritor, ensaísta e etnomusicólogo, será um dos expoentes máximos nas divulgações das culturas indígenas e ele enviará uma equipe até ao Brejo dos Padres (em 1938) para gravar as músicas e as danças das máscaras dos Pankararu, durante o período que comandava as “Missões Folclóricas”.

Estevão Pinto revela, nesse texto, como os velhos chamam este grupo indígena do Brejo dos Padres. Estevão Pinto, depois de pesquisar na literatura existente e conversar com os velhos no Brejo dos Padres elabora os seguintes parágrafos:


Esses nomes ainda são falados até hoje entre os Pankararu. E se pode perceber as relações existentes entre os Pankararu e os seus vizinhos. Os mais próximos, os Pankaiuká, os Jeripankó de Alagoas e os Pankararé da Bahia. Essas relações são importantes para manter as diversas trocas existentes esses povos. Um dos elementos de organização social que Estevão Pinto coloca se refere que já nessa época a mudança de cacique e chefes se dá através de eleição. Porém, com relação as atribuições de zeladores de Praiás, (um personagem importante na organização social Pankararu) que representam os terreiros onde os Encantados se apresentam, são passados hereditariamente. Ou seja, são os membros da família que decidem sobre aqueles que cuidam e são responsáveis pelo Poró.

As fotografias que constam no seu texto mostram de fato os principais objetos. Gostei de ver o “Aió” dos Pankararu, que ainda é fabricado do mesmo jeito. Representa muito para a identidade Pankararu e sobretudo como indumentária própria das lideranças Parnakaru. O aió é um bolsa, meia arredondada, traçada com fios da palha do Caruá que a pessoa coloca em seu corpo cruzando o peito. Nessa bolsa costuma-se levar os apetrechos para realizar as “obrigações” dos Pankararu. Ou seja, o tabaco aromatizado e apropriado para se colocar no “campiô”, um tipo de cachimbo Pankararu, feito em geral de cerâmica ou de uma boa madeira. O texto se dedica também a relatar as principais festas Pankararu, notadamente todos aqueles em que os Praiás estão presentes e que ele denomina de “Dança das Máscaras”.

O que me interessou mais nessa segunda leitura, e que me passou despercebido na primeira, são as conexões de Estevão Pinto com as informações etnográficas do pesquisador Rafael Karsten quando faz em relação as danças das máscaras com as festas do Tukano do Alto Rio Negro. Ele também se baseia nesse pesquisador para dizer que as máscaras seriam uma “evolução” dos enfeites de plumagem. Porém, o que ele conclui mesmo é que o jeito de dançar com as máscaras dos Pankararu, são mesmo similares aos dos índios da família linguistica “Jê”. Esse tipo de associação buscando outras fontes para entender o fenômeno das danças das máscaras dos Pankararu e realizando com outros autores inclusive citando também o famoso antropólogo Alfred Métraux.

Coloco abaixo as fotografias que estão no texto de Estevão Pinto que são bastante interessantes e se pode verificar que todas elas ainda fazem parte da cultura dos Pankararu até hoje.

















domingo, 11 de março de 2018

Os Pankararu e a Redução de suas Terras



Os Pankararu e a Redução de suas Terras 

Por: Renato Athias


Dizem os atuais habitantes daquele vale que forma os “Pancararu” do antigo “Curral-dos-Bois”, hoje “Santo Antônio da Glória, na Bahia, os primeiros indígenas que ali estabeleceram aldeamento. Essa tradição me foi transmitida pelo Chefe da Aldeia, o velho Serafim, e por outros caboclos. Em seguida, de acordo ainda com a tradição ali corrente, dois padres vindos, também do lado da Bahia, chegaram ao “Brejo”, e neste construindo uma pequena capela ficaram habitando com os Pancararu. Com estes indígenas de “Curral-dos-Bois reuniram-se povos de outros lugares, não obtive informações seguras. O que simplesmente me informaram foi que, depois daqueles índios chegou ao “Brejo” gente da” Serra Negra”, “Rodelas”, Serra-do-Urubá”, “Águas Belas”, “Colégio” e “Brejo dos Burgos”. Todavia, repito, penso que a reunião de povos pertencentes a grupos tão diversos naquele vale resultou na Missão que existiu em épocas remotas. Além dos Pancararu há na aldeia, reminiscência de índios chamados “ Macarus”, “Gerinpancós”, e “Quaças” ou Ituaças. Estes últimos vindos da Serra-Negra segundo dizem (Oliveira,  1938, p. 159)


O trecho acima foi retirado do artigo de Carlos Estevão de Oliveira escrito em 1937 e publicado em 1938 pelo Boletim do Museu Nacional da UFRJ. Talvez, seja um dos primeiros escritos etnográficos sobre os Pankararu. Mais tarde, Estevão Pinto vai escrever sobre as máscaras Pankararu. Carlos Estevão de Oliveira insiste, mais de uma vez, dizendo que os atuais Pankararu fazem parte, talvez, de uma confederação de povos, provenientes de vários lugares dos arredores da Serra Negra, que se agruparam nessa parte do Rio São Francisco, nas proximidades da Cachoeira de Itaparica, em meados do século XVIII. É nessa condição de grupos confederados que a noção de terra indígena unitária e contínua será elaborada entre eles, sob os parâmetros do que eles vão chamar de “árvore Pankararu”, com o seu “tronco” e suas “ramas”.  

Através de documentos históricos evidencia-se que esses índios vão iniciar um aldeamento em 1700, de acordo com carta régia de 1703. Mais tarde, têm-se notícias que os padres Oratorianos organizaram a missão católica nessa parte do rio desde 1752, com um número significativo de índios provenientes de vários lugares, certamente fugidos e expulsos de algum lugar onde se precisavam das terras para as fazendas de gado. A capela terá o nome de Nossa Senhora da Saúde. Outras notícias afirmam que escravos negros fugidos de fazendas de gado recebem guarita nesse agrupamento indígena que foi denominado de Brejo dos Padres, mas não se tem notícias do tamanho dessa área. A impressão que se tem é de que essa terra era muito grande, pois ia até a margem do Rio São Francisco.  Durante todos esses anos, essa terra desses índios agrupados vem sendo reduzida, vem sendo espoliada. Depois, veio a criação da Freguesia de Tacaratu, que em 1875 será transformada em Vila de Tacaratu. Os praiás dos caboclos do Brejo já abrem a festa de Nossa Senhora da Saúde. 

Cem anos depois da criação do agrupamento do Brejo dos Padres, em 1877, Dom Pedro II, em viagem pelo Rio São Francisco, visita a cidade de Petrolândia que, cem anos mais tarde, estará destinada a ficar embaixo das águas que hoje formam o lago da Hidroelétrica de Itaparica, implicando em uma grande mobilidade de pessoas e transformações fundiárias em toda essa região do submédio Rio São Francisco.

Para nós, hoje seja talvez muito difícil imaginar a vida cotidiana destas pessoas vivendo nestes agrupamentos durante esse período no qual os índios provenientes de muitos lugares vão precisar se refugiar, se esconder, pois por decreto imperial (1875) deixaram de ser índios. Os aldeamentos indígenas passaram por grandes transformações e se tornaram vilas politicamente organizadas. Foram muitos acontecimentos e muitas situações que os índios tiveram que aceitar simplesmente sua nova condição para continuarem a sobreviver. Portanto, as estratégias de sobrevivência física e cultural foi e estão sendo em grande parte o objetivos de resistência desses índios até hoje, sempre incluída nos planejamentos de todas as lideranças.

A terra, nessa nova relação política, foram retiradas dos índios. Os senhores coronéis se apropriam de sesmarias e utilizavam os índios como agricultores, morando de alugado em suas próprias terras. Trabalhando na terra e pagando a meia a algum coronel. Não serão mais chamados pelos nomes indígenas, as diversas línguas não puderam ser desenvolvidas. Eles são proibidos de falar as suas línguas. Eles vão se tornar o que comumente se chama de "Caboclo”. Esta é, portanto a identidade genérica que assumem forçadamente. Eles são os “Caboclos do Brejo dos Padres”.

Quando Carlos Estevão escreveu o texto acima, a unidade étnica Pankararu estava se formando, eles ainda eram apresentados como caboclos. Esse agrupamento de vários índios provenientes de várias lugares, as lideranças mais antigas, como o seu João Tomás, que eu tive a oportunidade conhecer morando na aldeia Macaco, vão denominar de “Pancarú Geripacó Cacalancó Umã Canabrava Tatuxi de Fulô”. Foi um grande processo de negociação para compor o que seriam os Pankararu atuais. Essas lideranças puderam participar dessa longa caminhada de negociações internas, cujas narrativas podemos ainda encontrar na tradição oral e nos versos dos Torés Pankararu. Certamente, o famoso Serafim, “chefe dos Caboclos” como escreveu Carlos Estevão, será sem dúvida um daqueles importantes personagens que incentivará a criação da unidade Pankararu pela sua sobrevivência física e cultural já relatada pela imprensa desde 1938.

Serafim com duas cantadoras, fotografado por Carlos Estevão em 1937 
 Acervo da Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira, Museu do Estado de Pernambuco.


O Estado Novo de Getúlio Vargas vai reconhecer os Pankararu como povo etnicamente diferenciado e os colocará dentro da condição de “silvícolas”, tal como estavam denominados os povos indígenas, na época, na Constituição Federal dos Estados Unidos do Brasil. Introduzindo-os na condição de pessoas necessitando de uma tutela, o papel organizativo do Estado será de criação do Posto Indígena do SPI, já funcionamento em 1940.

Para esses índios, Dom Pedro II quando visitou Petrolândia fez a doação de uma sesmaria, ou seja, de uma terra com "uma légua em quadra", marcada a partir da Igreja construída pelos padres e que ainda está no Brejo, dedicada ao padroeiro Santo Antônio de Lisboa. Esse foi o mais forte argumento para o reconhecimento étnico e para dar o início ao processo de demarcação da terra indígena dos Caboclos do Brejo dos Padres, ou seja, dos Pankararu. Juntamente com esse reconhecimento veio toda uma estrutura e demandas de organização por parte dos agentes indigenistas que atuaram nessa área. Uma légua em quadra será por muito tempo o tamanho da terra única e contínua para os Pankararu, começam a ter esse entendimento entre as principais lideranças. Será um longo processo de negociação de transformação de sua organização social, pois desde 1937 o SPI já vai implantando uma estrutura no local. 


Trechos da reportagem sobre as demandas ao governo federal das Terras Pankararu publicadas no Jornal do Comércio em 1938 (Acervo Coleção Carlos Estevão de Oliveira do Museu do Estado de Pernambuco)


Na realidade, as lembranças e as histórias orais nos informam que esses índios moravam nas proximidades da margem do Rio do São Francisco. As pedrinhas da Cachoeira de Itaparica estão presentes na vida desses povos, pois vão fazer parte do entendimento do "ser Pankararu", dando os nomes para os Encantados existente em toda área. A cachoeira, lugar mitológico das histórias orais, deixou de existir quando o lago da Hidrelétrica Luiz Gonzaga cobriu toda a área da Cachoeira de Itaparica. As lideranças, desde os anos quarenta, vão organizando o povo em estruturas próprias, tendo o tronco e as ramas como uma grande rede de parentesco que sustenta essa organização política interna dos Pankararu atuais.

O discurso já está montado e organizado. As lideranças do tronco velho saem do Brejo e vão longe, atrás das ramas que estão espalhadas, vão atrás da demarcação de suas terras, vão atrás da oficialização. Escutei essas histórias relatadas por seu João Binga, Seu João Tomás, Dona Maria Chulé, Dona Quitéria, Seu João de Páscoa e muitas outras lideranças, algumas já se foram deste mundo, outros estão ainda nessa mesma luta, desde os tempos em que os Padres Oratorianos agruparam esses índios na margem do São Francisco. Essas histórias são contadas até hoje. Foram muitas as viagens ao Rio de Janeiro, depois Brasília e a muito outros lugares. Muitas pessoas vão se mobilizar para que os Pankararu tenham de fato o que restou das suas terras tradicionais, que agora já tem uma definição em uma demarcação feita pelo SPI, ratificada pela Funai em diversos processos e que todos os Pankararu vão dizer: é um quadrado formado por uma légua de sesmaria que dá 14.294 hectares.

Na realidade, desde o século XVIII que esses índios estão brigando com os agentes da sociedade nacional, fazendeiros e posseiros, e todos indígenas afirmando que essa terra lhes pertence. Olhando a história das fronteiras agropastoris que avançam sobre as terras tradicionais indígenas, a burocracia e os interesses do Estado Brasileiro não vão permitir que essa situação de conflito seja de fato resolvida. A situação atual não é diferente do que foi nesses últimos 317 anos para as populações indígenas da Serra Negra que se encontram espalhadas na região do submédio Rio São Francisco. O conflito atual dos Pankararu com os posseiros pode ter outro nome hoje, mas é o mesmo na essência: se trata da redução das terras indígenas e da intolerância frente à identidade indígena. Essa mesma luta já passa por diferentes gerações de Pankararu. Já falava Carlos Estevão, em 1938, em “...solicitar a interferência do Ministério da Guerra” para “torne efetiva a demarcação” e que os problemas da terra fossem resolvidos. Passaram já 82 anos e o problema continua!


terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Lugares-Monumentos e Conhecimentos Tradicionais


Lugares-Monumentos e Conhecimentos Tradicionais

Renato Athias

         Nesses dias eu estive em Tunuí, uma das capitais do país onde habitam os Baniwa e os Kuripako. É um lugar muito bonito e com muitas histórias. Impressiona qualquer um que chegue lá para visitar. Está situado em uma das tantas curvas do famoso Rio Içana, na região do Alto Rio Negro, Estado do Amazonas, próximo a fronteira com a Venezuela e Colômbia. Não é a primeira vez que vou nesse lugar ministrar disciplinas do Curso de Licenciatura Indígena da UFAM, do Polo Baniwa e Kuripako.

Eu fui super bem acolhido com todas as honras pela hospitalidade baniwa. Eu gostei de trabalhar, com os estudantes da licenciatura, com a problemática da escrita acadêmica e a produção de conhecimentos. Fiquei admirado com as temáticas que todos eles estão escrevendo nas línguas Baniwa e Kuripako. Na realidade, estes estudantes Baniwa e Kuripako estão produzindo um enorme conjunto de conhecimentos sobre a realidade cultural deste lado do Brasil, muitas dessas temáticas incluem longas entrevistas com sabedores que guardaram através da tradição oral muitos dos saberes desses povos. Eu diria que esse trabalho de escrita dos conhecimentos é, na realidade, uma atividade arqueológica, pois estes estudantes cavam bem fundo para achar as riquezas de um conhecimento que por mais três gerações foi completamente enterrado nas profundezas dos lindos rios e igarapés ou simplesmente queimados juntamente com as malocas, também chamada por muitos de “casa dos saberes”. 


As gerações mais recentes presenciaram nessa região uma violenta guerra entre duas potentes forças políticas e econômicas, que escolheram esse lugar como campo de batalha, representadas pelos católicos e pelos evangélicos que, em nome do mesmo Jesus Cristo, incitaram a violência de jogar nos rios e de queimar as malocas juntamente com seus preciosos objetos e conhecimentos milenares, pois ambos grupos rivais associaram todo esse conhecimento ao culto ao diabo, interrompendo assim o desenvolvimento desses saberes.

A localização do povoado de Tunuí está na margem esquerda do Içana. Muito bem posicionada. Em cima de ponta escarpada de quartzo branco que estende-se por mais ou menos 200 metros pelo rio a dentro. Na sua ponta pode-se ver as águas furiosas da cachoeira e bem próximo estão bem posicionadas as grandes armadilhas de pegar os peixes peixes subindo o rio, os singulares cacuris. Curt Nimuendajú em 1927 quando passou por lá, ficou bastante impressionado com essas armadilhas de pegar peixes. Está bem relatado em seu “Reconhecimento dos Rios Içana, Ayari e Uaupés”. Ele fez uma fotografia de um desses cacuris, e que me pareceu que até hoje são colocados nos mesmos lugares (ATHIAS 2015). Todas as embarcações que pretendem passar a cachoeira precisam retirar toda a carga das canoas e transporta-las por um caminho pela beira do Rio. É um trabalho árduo e cansativo. Subindo do rio, á sombra de grandes mangueiras, estão as casas e bem no fundo do campo de futebol se eleva a conhecida Serra Tunuí, uma colina cônica coberta de mato, de cerca de mais ou menos 120 metros de altura. Próximo ao pé́ da colina se acha a pedreira que fornece o importante material para os famosos raladores de mandioca, feitos de madeira e pedrinhas de quartzo, de marca registrada dos Baniwa conhecidos e apreciados em toda a região do Ato Rio Negro. Ainda nesse local três casas coberta de palha servem de salas de aulas para a escola de Ensino Médio mantida pelos Baniwa. Bem próximo encontra-se construído uma “casa de pimenta”. Do alto desta colina pode se ter uma magnifica vista relatada por todos os que sobem. Olhando-se na direção nordeste pode-se ser ver uma outra colina igual altura com um despenhadeiro vertical. Na direção noroeste pode-se ver o grande maciço da Serra do Tunuí, coberto de mato, e mais adiante pode-se ver a famosa pedra de Cucuí, bem na fronteira da Venezuela e Colômbia.


A serra de Tunuí é um desses “Lugares-Monumentos”, como diria meu amigo o antropólogo Waikhän professor Dudu (2003), de Tucunaré, mas vivendo hoje em Iauareté, pois ao se falar e procurar saber mais sobre esses lugares-monumentos com aqueles que sabem os profundos significados dos nomes e guardam a memória desses lugares vem à tona os elementos desses conhecimentos tradicionais milenares desses povos. A serra de Tunuí, portanto, está presente em muitas passagens de eventos que aconteceram em um tempo mitológico nas aventuras dos heróis criadores Iñapirikuli, Dzuli e Amaru que podem ser lidas através desses lugares-monumentos. Tunuí também está presente nos eventos acontecidos em um tempo histórico, mais recente e bem significativos na relação dos Baniwa-Kuripako com a sociedade nacional. Sabemos através de documentos históricos que Tunui foi lugar de grandes descobertas para a primatologia, pois foi lá que o austríaco biólogo naturalista Johann Natterer, em 1831 encontrou uma espécie não conhecida de macacos. Em 1857, o Capitão Joaquim Firmino passou por Tunuí, os seus habitantes, tinham queimado as casas e fugido para a mata em consequência de uma expedição militar feita pouco antes para destrocar o messias dos Baniwa, o Venâncio Cristo, que tinha reunido muitos discípulos nessa região. Mais tarde, Koch-Grünberg em 1903 passa por Tunuí e faz a descrição da serra e do lugar. Em seguida ele descreve a organização social dos Waliperi-Daknai em base a muitas entrevistas que ele realizou com muitos sabedores. O famoso Tuxaua Mandu foi um deles que mostrou a Koch-Grünberg a casa do saber em seus detalhes. Tive o prazer de conhecer o Silvério Waliperi-Daknai, da turma de 2014 da Licenciatura Intercultural. Ele me falou que é o Tatara-neto do grande e famoso Tuxaua Mandu dos Waliperi-Daknai imaginem a alegria em conhecê-lo.

Renato Athias, Tunuí, 19 de fevereiro de 2018

VEJA AQUI QUEM FOI O TUXAUA MANDU:
http://renatoathias.blogspot.com.br/2017/12/#1683708596663852222


Seu Valdir preparando o bote para a volta.

A escarpada de quartzo que vai até a cachoeira de
Tunui

Lindas praias para a pescaria.
No meio do rio estão dois caititus que foram
pescados nessa viagem pelo nosso piloto Valdir.

Joselito, o novo Tuxaua de Tunui.

Seu Valdir o piloto que conhece todas as
pedras do Rio Içana

Silvério Waliperi Dakenai,  o Tatara-neto 
do Tuxaua Mandu