Lugares-Monumentos e Conhecimentos Tradicionais
Renato Athias
Nesses dias eu estive em Tunuí, uma das capitais do país onde habitam os Baniwa e os Kuripako. É um lugar muito bonito e com muitas histórias. Impressiona qualquer um que chegue lá para visitar. Está situado em uma das tantas curvas do famoso Rio Içana, na região do Alto Rio Negro, Estado do Amazonas, próximo a fronteira com a Venezuela e Colômbia. Não é a primeira vez que vou nesse lugar ministrar disciplinas do Curso de Licenciatura Indígena da UFAM, do Polo Baniwa e Kuripako.
Eu fui super bem acolhido com todas as honras pela hospitalidade baniwa. Eu gostei de trabalhar, com os estudantes da licenciatura, com a problemática da escrita acadêmica e a produção de conhecimentos. Fiquei admirado com as temáticas que todos eles estão escrevendo nas línguas Baniwa e Kuripako. Na realidade, estes estudantes Baniwa e Kuripako estão produzindo um enorme conjunto de conhecimentos sobre a realidade cultural deste lado do Brasil, muitas dessas temáticas incluem longas entrevistas com sabedores que guardaram através da tradição oral muitos dos saberes desses povos. Eu diria que esse trabalho de escrita dos conhecimentos é, na realidade, uma atividade arqueológica, pois estes estudantes cavam bem fundo para achar as riquezas de um conhecimento que por mais três gerações foi completamente enterrado nas profundezas dos lindos rios e igarapés ou simplesmente queimados juntamente com as malocas, também chamada por muitos de “casa dos saberes”.
As gerações mais recentes presenciaram nessa região uma violenta guerra entre duas potentes forças políticas e econômicas, que escolheram esse lugar como campo de batalha, representadas pelos católicos e pelos evangélicos que, em nome do mesmo Jesus Cristo, incitaram a violência de jogar nos rios e de queimar as malocas juntamente com seus preciosos objetos e conhecimentos milenares, pois ambos grupos rivais associaram todo esse conhecimento ao culto ao diabo, interrompendo assim o desenvolvimento desses saberes.
A localização do povoado de Tunuí está na margem esquerda do Içana. Muito bem posicionada. Em cima de ponta escarpada de quartzo branco que estende-se por mais ou menos 200 metros pelo rio a dentro. Na sua ponta pode-se ver as águas furiosas da cachoeira e bem próximo estão bem posicionadas as grandes armadilhas de pegar os peixes peixes subindo o rio, os singulares cacuris. Curt Nimuendajú em 1927 quando passou por lá, ficou bastante impressionado com essas armadilhas de pegar peixes. Está bem relatado em seu “Reconhecimento dos Rios Içana, Ayari e Uaupés”. Ele fez uma fotografia de um desses cacuris, e que me pareceu que até hoje são colocados nos mesmos lugares (ATHIAS 2015). Todas as embarcações que pretendem passar a cachoeira precisam retirar toda a carga das canoas e transporta-las por um caminho pela beira do Rio. É um trabalho árduo e cansativo. Subindo do rio, á sombra de grandes mangueiras, estão as casas e bem no fundo do campo de futebol se eleva a conhecida Serra Tunuí, uma colina cônica coberta de mato, de cerca de mais ou menos 120 metros de altura. Próximo ao pé́ da colina se acha a pedreira que fornece o importante material para os famosos raladores de mandioca, feitos de madeira e pedrinhas de quartzo, de marca registrada dos Baniwa conhecidos e apreciados em toda a região do Ato Rio Negro. Ainda nesse local três casas coberta de palha servem de salas de aulas para a escola de Ensino Médio mantida pelos Baniwa. Bem próximo encontra-se construído uma “casa de pimenta”. Do alto desta colina pode se ter uma magnifica vista relatada por todos os que sobem. Olhando-se na direção nordeste pode-se ser ver uma outra colina igual altura com um despenhadeiro vertical. Na direção noroeste pode-se ver o grande maciço da Serra do Tunuí, coberto de mato, e mais adiante pode-se ver a famosa pedra de Cucuí, bem na fronteira da Venezuela e Colômbia.
A serra de Tunuí é um desses “Lugares-Monumentos”, como diria meu amigo o antropólogo Waikhän professor Dudu (2003), de Tucunaré, mas vivendo hoje em Iauareté, pois ao se falar e procurar saber mais sobre esses lugares-monumentos com aqueles que sabem os profundos significados dos nomes e guardam a memória desses lugares vem à tona os elementos desses conhecimentos tradicionais milenares desses povos. A serra de Tunuí, portanto, está presente em muitas passagens de eventos que aconteceram em um tempo mitológico nas aventuras dos heróis criadores Iñapirikuli, Dzuli e Amaru que podem ser lidas através desses lugares-monumentos. Tunuí também está presente nos eventos acontecidos em um tempo histórico, mais recente e bem significativos na relação dos Baniwa-Kuripako com a sociedade nacional. Sabemos através de documentos históricos que Tunui foi lugar de grandes descobertas para a primatologia, pois foi lá que o austríaco biólogo naturalista Johann Natterer, em 1831 encontrou uma espécie não conhecida de macacos. Em 1857, o Capitão Joaquim Firmino passou por Tunuí, os seus habitantes, tinham queimado as casas e fugido para a mata em consequência de uma expedição militar feita pouco antes para destrocar o messias dos Baniwa, o Venâncio Cristo, que tinha reunido muitos discípulos nessa região. Mais tarde, Koch-Grünberg em 1903 passa por Tunuí e faz a descrição da serra e do lugar. Em seguida ele descreve a organização social dos Waliperi-Daknai em base a muitas entrevistas que ele realizou com muitos sabedores. O famoso Tuxaua Mandu foi um deles que mostrou a Koch-Grünberg a casa do saber em seus detalhes. Tive o prazer de conhecer o Silvério Waliperi-Daknai, da turma de 2014 da Licenciatura Intercultural. Ele me falou que é o Tatara-neto do grande e famoso Tuxaua Mandu dos Waliperi-Daknai imaginem a alegria em conhecê-lo.
Renato Athias, Tunuí, 19 de fevereiro de 2018
http://renatoathias.blogspot.com.br/2017/12/#1683708596663852222
Seu Valdir preparando o bote para a volta.
A escarpada de quartzo que vai até a cachoeira de
Tunui
Lindas praias para a pescaria.
No meio do rio estão dois caititus que foram
pescados nessa viagem pelo nosso piloto Valdir.
Joselito, o novo Tuxaua de Tunui.
Seu Valdir o piloto que conhece todas as
pedras do Rio Içana
Silvério Waliperi Dakenai, o Tatara-neto
do Tuxaua Mandu